Ao longo de sua carreira, Ken Loach demonstrou ser um apreciador de futebol. “Looking For Eric” é a sua carta de amor ao esporte favorito dos ingleses. Talvez seja o seu filme mais acessível, justamente por retratar a paixão das pessoas por futebol com tanto entusiasmo e honestidade.
Eric não passa por uma boa fase. Ele anda deprimido, não é respeitado pelos filhos, sofreu um acidente de contornos suicidas e é obrigado a retomar contato com Lily, sua ex-esposa, com quem não fala há 30 anos. Eric é carteiro e tem bons amigos, todos fanáticos pelo Manchester United. O protagonista não vai a Old Trafford há 10 anos, o que diz muito sobre sua situação; afinal, boa parte de suas boas lembranças foram no emblemático estádio. Em seu quarto, ele tem imagens de George Best e Bobby Charlton; todavia, quem ocupa o maior espaço da parede é Eric Cantona, o controverso jogador francês, tratado pelos fãs do United como um Deus.
Loach, acostumado a trabalhar com o naturalismo absoluto, adiciona um elemento “mágico” à sua narrativa. O próprio Eric Cantona, fruto da imaginação de Eric, surge e o ajuda a sair do buraco. Loach sempre prezou por um humor orgânico e cotidiano, mas “Looking For Eric” talvez seja o seu único filme que possa ser descrito como uma comédia. Suas raízes seguem lá, intactas: Eric é um trabalhador inglês que lida com traumas do passado e com o envolvimento de um dos filhos com um traficante. Uma sequência em especial, envolvendo uma invasão policial, impressiona pela crueza. E, claro, a fria Manchester é o palco ideal para as pretensões de Loach. Dito isso, a presença de Cantona e suas interações com Eric são engraçadíssimas. O francês mistura um ar enfezado e uma serenidade etérea, contrastando com a insegurança caótica do protagonista. Suas lições poderiam ser dadas pelo melhor psiquiatra ou pelo pior “coach” – sim, Cantona atinge essa proeza.
Eric já foi um pé de valsa e um homem apaixonado. Ao se tornar pai de Sam, ele sentiu o peso das obrigações e, sem maiores explicações, abandonou Lily. O benefício da retrospectiva nos permite notar que Eric foi vítima de severos ataques de pânico e que, sem entender do que se tratava, preferiu se afastar de quem amava. O grande desafio de Cantona é fazer com que o protagonista acredite que é possível contornar os erros do passado. Eric tem que lidar com a dor e vencer obstáculos que não são tão grandes quanto parecem. Ele deve ser honesto com Lily e abrir seu coração. No pior dos casos, ela o respeitará mais do que antes. Acompanhar o nervosismo de um adulto se redescobrindo é fascinante, principalmente quando este é visto através das lentes sinceras de Loach. Eric também precisa aprender a se impor em sua própria casa, colocando os filhos na linha sem tirania, mas com o amor de um pai que reconhece a sua função.
Loach desenha a realidade de Eric e pinta um belo retrato sobre a importância do futebol na vida da classe trabalhadora. Cantona, ídolo máximo do protagonista, personifica o esporte em sua adoração total. O francês foi responsável por suas maiores alegrias e é ele quem o ajuda a retomar os trilhos da alegria e do bem-estar – a inserção de gols de Cantona, por sinal, é uma excelente opção para salientar tal ideia. Loach afirma que o futebol, para os torcedores, é um estilo de vida e a chance de experienciar a plenitude, não um jogo. Os amigos de correio não são simplesmente amigos, mas irmãos de arquibancada – as interações entre eles são um dos pontos altos cômicos do filme. Os Red Devils sempre estarão lá para dar uma força, não importa quem seja o inimigo. “É preciso confiar nos amigos de sua equipe”.
Steve Jones está ótimo no papel principal, atravessando um arco considerável com propriedade e apresentando uma química notável com Cantona. “Looking For Eric” é uma maravilha obrigatória para todos os fãs de futebol.



