Assistir aos filmes de James Gray em ordem não cronológica é um exercício interessante. Trata-se de um autor que, desde o primeiro projeto, demonstrou um fascínio por temas específicos, como, por exemplo, os laços sanguíneos e os pecados que carregamos.
Joshua é um assassino de aluguel da máfia russa, o que é salientado na primeira cena. Seu próximo trabalho será na comunidade russa judaica que dá nome ao título, que é, por acaso, onde sua família vive. O problema é maior: Joshua tem um poderoso rival lá, um mafioso que deseja vingança após ter perdido o filho. Gray utiliza tais elementos para desenvolver seus personagens. O que levou Joshua a esse caminho? Sabemos apenas que suas mãos estão sujas de sangue e que, ao andar por ruas escuras e vestir a velha jaqueta de couro, ele assume o posto de fantasma. Seu rosto é marcado por sombras e, em determinado momento, a fumaça do cigarro parece sair de seu corpo – Gray, como de costume, sútil, afirma que o protagonista é uma figura maldita, fadada à solidão. Quando Reuben, seu irmão, diz que que o ama, ele não sabe como reagir, indicando não estar acostumado com demonstrações de carinho.
Seu pai é um homem rígido cujo senso de liderança e preocupação acerca do caçula partem do medo de fracassar pela segunda vez. Todavia, seus métodos educacionais o transformam num tirano violento que, assim como Joshua, mostra-se incapaz de ser afetuoso. O reencontro do protagonista com o pai é movido por socos e ofensas, evidenciando o motivo pelo qual o lar se rachou. Cada relação revela algo sobre Joshua. Ao lado de Reuben, ele age como o irmão que nunca teve a oportunidade de ser. Gray investe em situações delicadas, chegando à conclusão de que, por trás da frieza do assassino que vendeu a própria alma, há um sujeito que gostaria de reiniciar sua vida. As digitais do pai estão em sua rispidez, mas Joshua faz o possível para se livrar das marcas que o deformaram. O envolvimento com Alla evoca seu lado sensível e a tímida vontade de cuidar de alguém especial. No entanto, o laço que mais chama a atenção é o que divide com sua mãe. Em uma conversa com Reuben, Gray os filma à distância, cortando para um plano médio do protagonista quando o caçula fala que a mãe está com um tumor cerebral – o cuidado cênico revela mais que qualquer diálogo. O abraço entre os seres que vivem em estado terminal é bonito. A mãe é o elo amoroso, mas não o dominante.
Reuben não tem uma visão míope do irmão. Ele reconhece seu passado e testemunha um assassinato, o que não o impede de enxergar a verdade. Gray pinta esse cenário familiar de heranças malignas e possíveis redenções com um pano de fundo trágico. A cidade dominada por tons frios, sombras e pela neve e a trilha sonora operística fomentam uma atmosfera carregada, preparando o terreno para o desfecho. Estreante, Gray opta por uma crueza estética que não dialoga tanto com suas outras obras. Ele sabia exatamente o que estava fazendo, mas não tinha a destreza que o alçou ao patamar de mestre contemporâneo. Os planos abertos dão a entender que aquela é a terra de ninguém; a terra da banalidade do mal. Embora tente se limpar, Joshua sempre terá sangue em suas mãos.
Tim Roth oferece uma performance contida e visceral, captando, a partir do silêncio e de gestos específicos, a complexidade emocional do protagonista. “Little Odessa” foi o pontapé inicial para uma carreira brilhante.



