O mundo de Jerry Maguire é habitado por seres gananciosos, que não medem esforços para estender as mãos nos momentos gloriosos e recolhê-las quando lhes for conveniente.
Os agentes esportivos lidam com milhares de atletas e, logicamente, não disponibilizam a mesma atenção para todos.
Pessoas são deixadas de lado, famílias sofrem por contratos e o bem-estar deixa de ser uma prioridade, já que para alcançar um determinado bônus, o atleta precisa burlar ordens médicas.
Jerry Maguire está inserido nesse contexto e decide mudar. Sua consciência pesa, seu lado mais puro e humano floresce, logo, sua vida se transforma completamente.
Antes de chegar no cerne da trama e dos personagens, devo elogiar o realismo adotado por Cameron Crowe ao apresentar o mundo corporativo. Os agentes são falsos sentimentalistas, que demonstram carinho pelo outro, porém já estão com o ouvido em outra linha, preparados para uma nova interpretação. Eles vão à festa de Jerry, riem, se declaram e no dia seguinte estão prontos para dizer adeus e virar as costas.
O design de som dá ênfase para a digitação dos números no telefone, realçando a farsa e o espírito ardiloso.
A montagem ágil permite que notemos a falta de laços verdadeiros na vida de Jerry e, no fim das contas, esta é uma jornada sobre se desvencilhar de impostores e abraçar algo mais importante e raro.
O protagonista cai na real e percebe que acima de contratos milionários está lidando com seres humanos, que precisam de atenção e cuidado. Jerry é demitido e segue sua jornada com seu único cliente, Rod Tidwell e com Dorothy Boyd, a única a compreender a atitude grandiosa do protagonista e a abandonar a empresa.
O roteiro passeia entre gêneros distintos – romance e filme esportivo -, alcança um tom ideal e uma sintonia precisa entre eles.
Os núcleos têm suas especificidades, mas ambos caminham para a mesma direção: o amadurecimento e o desenvolvimento do protagonista.
Jerry vive um casamento brutal – física e psicologicamente. Não existe paixão, apenas um pouco de desejo, que parece ter se esvaído. Dorothy surge e traz consigo a mesma pureza de seu projeto. Ela é capaz de entender as mais singelas declarações, observar famílias unidas e se imaginar vivendo algo similar. Dorothy embarca na ideia e se apaixona por Jerry, pois sabe que vindo do meio onde estava inserida, ele é uma raridade.
O protagonista detesta a solidão, mas tem dificuldade em dividir intimidades.
Jerry acredita que o matrimônio é baseado em lealdade, esquece os outros elementos e se perde. A verdade é que ele sempre esteve muito ocupado com seres fajutos e nunca viu a necessidade de se expor ou dividir experiências significativas. Seus relacionamentos eram apenas desculpas para encobrir seu maior pesadelo: a solidão.
Dorothy não é assim, ela exige mais e Jerry não sabe se pode.
O protagonista é inseguro, não consegue admitir certas qualidades, mas é repleto delas.
O romance é previsível, mas os personagens são excelentes, assim como os diálogos, e o desfecho é memorável.
“Secret Garden”, de Bruce Springsteen, foi uma bela escolha, a música casa perfeitamente com a dinâmica entre os dois.
O diretor ainda é delicado o suficiente para criar momentos sutis e genuinamente doces.
O filho de Dorothy, Ray, é uma figura fundamental para a humanização de Jerry e para a sua empatia com o espectador.
Em relação à Rod Tidwell, o roteiro deixa claro que o maior drama de um atleta é a sua “vida útil”. O tempo passa, a idade começa a pesar e os contratos vão diminuindo. A presença marcante de sua família ressalta essa dependência e é importante para a percepção do protagonista sobre companheirismo.
Porém, o que é mais tocante é a amizade entre Tidwell e Jerry, que rompem com o falso sentimentalismo e se tornam figuras inseparáveis. Os diálogos entre os dois são fascinantes, porque denotam carinho e preocupação. Eles brigam, se divertem e se ajudam. A jornada tem seus percalços, contudo, o fim é recompensador e bonito.
Em determinado momento, o presidente de um time chama o protagonista por seu nome, que só responde quando é reconhecido pelo sobrenome. É um detalhe pequeno, mas que deixa nítido a impessoalidade do agente esportivo, que não mantém laços reais.
Tom Cruise talvez nunca tenha sido tão simpático e agradável. Seu carisma e charme são infalíveis e essenciais para o êxito do arco de Jerry.
Renée Zellweger trabalha muito bem as expressões faciais e faz de Dorothy uma personagem sensível, pura e vulnerável.
Cuba Gooding Jr. não merecia o Oscar de ator coadjuvante – Edward Norton em “Primal Fear” está anos luz à sua frente -, no entanto, é inegável que sua presença é impactante e traz energia (ou histeria) à tela. Não à toa, a frase “Show Me The Money” ficou tão famosa.
“Jerry Maguire” é um filme sobre pessoas verdadeiras, que encontram um carinho especial e se tornam melhores.
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