Entre todas as obras espetaculares de Frank Capra, “It’s A Wonderful Life” é a mais doce, inspiradora, bela e emocionante. Eu não sou muito de chorar, mas aquela cena final me comove como nenhuma outra.
Estruturalmente falando, este é um filme impecável, que conta com vários saltos temporais e nunca perde o ritmo. A montagem permite que entendamos os períodos destacados e a direção de Capra capta o espírito da obra com muita delicadeza.
Todas as cenas são fundamentais para o desenvolvimento da trama e do protagonista. Não existem barriguinhas aqui, tudo é relevante e encantador.
George Bailey é um sonhador, porém, acima disso, é um ser empático e carinhoso, que está sempre estendendo a mão e não mede esforços para ajudar as pessoas. Ele queria conhecer o mundo, estudar fora, viver uma grande aventura e realizar algo importante. As imprevisibilidades da vida e a sua compaixão não permitiram a execução de nada disso. George nunca saiu da pequena Bedford Falls. Casamentos e escritórios eram palavras que o deixavam nervoso, pois representavam amarras e este era o seu maior pesadelo.
Antes de chegar nas suas realizações do personagem como adulto, gostaria de enfatizar sua generosidade e gentileza desde a infância. George perdeu a audição no ouvido esquerdo após salvar o irmão de um afogamento; por um mal-entendido, apanhou de seu chefe, por não ter feito uma entrega, que acidentalmente estava danificada e sempre tratou sua empregada com muito afeto.
Seu pai morreu, então ele teve que tomar conta dos negócios da família e adiar a tão esperada viagem. George parece preso ao que sempre evitou. Situações incontroláveis o colocam nessa posição a todo instante. Uma maldição? A partir de momentos específicos, Capra prova que não. A verdade é que o protagonista tinha planos e expectativas, no entanto, sua vida estava destinada a uma grandeza mais humana e palpável.
Na sua empresa de empréstimos e construções, George luta contra os avanços descabidos de Potter, que coloca os moradores da cidade em barracos e visa apenas o lucro. Mary aparece e bagunça o seu coração. A cena do baile é de uma doçura impressionante. Ela o ama e ele tenta resistir aos próprios sentimentos, mas não consegue.
O tempo passa e George se vê feliz com aquilo que sempre desprezou. O amor o levou ao casamento e o senso de justiça aos escritórios. Capra cria um romance puro e gradativo, a princípio ingênuo, que se torna cada vez mais maduro. Os olhares de Donna Reed para James Stewart dizem muito e aquela cena em que eles dividem o telefone é especial.
Posteriormente, aparecem os filhos, que, rapidamente lotam a casa dos sonhos de Mary.
George esquece as ambições e os momentos de lazer para atender o povo de Bedford Falls. Potter domina todos os cantos da cidade e vê o protagonista como uma pedra no sapato. George cria o Bailey Park, disponibilizando a melhor infraestrutura possível para todos e recusa um salário milionário proposto pelo adversário.
Entretanto, o momento de maior empatia e carinho é aquele em que George dá o dinheiro de sua lua de mel para a população, após o banco obrigar a empresa a realizar um grande empréstimo.
Potter é a personificação de um capitalismo ardiloso e ganancioso, que vê as pessoas como meios de se chegar ao poder. A composição do personagem é rica nesse sentido: seus ternos são luxuosos, assim como sua sala, que tem um enorme retrato seu na parede, expondo todo o narcisismo de Potter.
Do outro lado, George Bailey está sempre com roupas simples e sua casa é fruto de um trabalho árduo da esposa.
James Stewart nasceu para interpretar esse personagem. Capra o transformou na representação máxima do bom moço e George é o ápice entre eles. O ator utiliza todos os seus maiores atributos na composição do protagonista: sua voz é convidativa, suas expressões faciais denotam empatia, assim como seus gestos e, claro, não falta carisma. A antiga Hollywood era repleta de grandes atores, mas nenhum com a capacidade de criar um protagonista tão amável como James Stewart.
Nas mãos erradas, George Bailey poderia ser um personagem apelativo e exagerado.
O filme começa com vozes implorando pelo bem do nosso herói. Logo no início, notamos o seu impacto perante as pessoas da região.
Após uma sucessão de lambanças na empresa, obviamente com o dedo de Potter, George entra em um estado profundo de descontentamento e, pela primeira vez, questiona as escolhas que fez. É uma cena triste, porque vemos o protagonista em um estado preocupante de exaustão. George decide se matar e é salvo pelo anjo, Clarence, que assim como os espectadores, estava acompanhando os momentos fundamentais da vida dele. Confrontado pelo ceticismo do protagonista, Clarence toma uma medida drástica e faz com que George nunca tenha nascido. Bedford Falls vira Pottersville e o clima amigável e esperançoso, dá lugar a uma atmosfera soturna e tóxica. Seu irmão havia morrido afogado, sua família não existia e assim por diante. É exatamente aí que percebemos o impacto do protagonista na cidade e na vida das pessoas. George, que sempre almejou a grandiosidade, realizou algo ainda maior. Seus sonhos eram caprichos perto do que ele havia atingido. George tinha uma esposa adorável, filhos queridos e amigos por todos os lados. No fim das contas, esses são os motivos da nossa felicidade. Esse é o legado, o que fica quando chega a hora da despedida.
E o final é uma celebração a isso tudo. Como disse acima, é uma cena maravilhosa, repleta de detalhes lindíssimos. A música entra no momento correto e o sino nos reconforta.
“It’s A Wonderful Life” é uma rara obra prima, que valida a frase: “não se fazem mais filmes como antigamente”.
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