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Joe Pendleton é um jogador de futebol americano em plena ascensão. Os Rams estão a caminho do Super Bowl e ele será titular, todavia, acaba sofrendo um acidente de bicicleta. No céu, o protagonista percebe que seu guia cometeu um equívoco, buscando-o segundos antes da possível colisão acontecer. Joe, então, exige retornar à terra, mas descobre que foi cremado. Mr. Jordan, o responsável pela organização celestial, explica que sua única opção é assumir o corpo de outra pessoa. Após uma busca desenfreada, eles chegam a Leo Farnsworth, um bilionário industrialista que foi assassinado por sua esposa e seu assistente. O protagonista rejeita essa ideia, afinal, tem pretensões de voltar a praticar seu esporte no mais alto nível; no entanto, ao se deparar com Betty Logan, uma professora escolar que protesta contra a construção de uma refinaria que desabrigaria uma considerável parte dos habitantes de uma pequena cidade inglesa, ele decide que, pelo menos de forma temporária, adotará o corpo de Farnsworth.

“Heaven Can Wait”, remake de “Here Comes Mr. Jordan”, de 1941, é uma delícia de filme. As fantasias demandam regras específicas e, nesse sentido, o roteiro é bastante coeso. Apesar das pessoas o identificarem como o famoso bilionário, Joe não deixa de se enxergar como antigamente. No período de adaptação, o protagonista tenta criar trejeitos, o que, na prática, não faz sentido, já que, para os demais, Farnsworth continua o mesmo. Não demoramos a perceber que ele é corrupto e ganancioso, ou seja, não poderia ser mais diferente de Joe, cujas principais características são a ingenuidade e a pureza.

-Eu gostaria de discutir o acordo haitiano. Os 2,5 milhões de acres.

-Que 2,5 milhões de acres?

-O acordo do açúcar.

-Não está bom.

-O acordo?

-Não, o açúcar. É ruim para o corpo.

Repentinamente, o inescrupuloso Leo Farnsworth se transforma num humanista que expõe os próprios esquemas e utiliza o futebol americano para realizar analogias. A incredulidade dos sócios é engraçadíssima, pois, além de não entenderem uma palavra que está sendo dita, questionam entre si se o chefe sofreu uma lobotomia ou algo do tipo. Julia, a esposa, e Tony Abbott, amante dela e assistente de Farnsworth, acreditam que ele está pregando alguma peça e que está planejando uma vingança contra a tentativa “mal sucedida” de assassiná-lo. A inocência escancara a imbecilidade dos ardilosos. Charles Grodin foi um dos grandes atores da década de setenta. Seu timing cômico e capacidade interpretar personagens idiotizados são únicos. Joe não veste máscaras, sua face está aberta a observações e isso confunde a dupla de calhordas.

Cansado de usar roupas de marinheiro e outras que remetem ao conselho Jedi – os figurinos reforçam a decadência moral de um homem que sa gaba por sua posses -, Joe decide comprar os Los Angeles Rams. Claro, antes precisa convencer Max Corkle, amigo de longa data e um dos treinadores da equipe, que assumiu o corpo do bilionário industrialista. O roteiro é sofisticado o bastante para aderir ao humor absurdista – nesse contexto narrativo, ele é muito bem vindo. “Leo Farnsworth comprou o time e quer ser quarterback”.

-Aquele filho da mãe pegou meu time.

-Que tipo de pressão ele usou?

-Bem, eu pedi 67 milhões, e ele aceitou.

-Desgraçado implacável.

Não sabemos a idade de Farnsworth, nem se está numa boa forma física, o que serve para estimular a imaginação do espectador. A desconfiança se esvai quando Joe treina e prova que é o melhor. “Acho que arrumamos um quarterback rico”. Enquanto isso, o protagonista convida um grupo ecológico para sua mansão e se aproxima de Betty, que, a essa altura, está apaixonada pelo novo Farnsworth, altruísta e doce. No melhor momento de Joe, Mr. Jordan reaparece, afirmando que ele não poderá continuar naquele corpo. Como conseguirá jogar o Super Bowl? E o casamento com Betty? O roteiro trabalha suas regras a favor do drama e do romance, conseguindo, também, trazer à tona o que há de mais belo na natureza humana.

Evitando maiores detalhes, o desfecho é absolutamente adorável. A última cena é extraordinária pela maneira que encapsula tudo que foi abordado até então e pela sensibilidade da interação entre almas apaixonadas. Os cortes secos e a trilha sonora suave são pontos altos da comicidade, principalmente na sequência em que Joe (ou Farnsworth) transforma seu enorme jardim num campo de futebol americano e coloca seus empregados para jogar. O tema romântico é igualmente marcante.

Warren Beatty, que dirigiu o projeto e, ao lado de Elaine May, assinou o roteiro, oferece aquela que talvez seja a sua melhor performance. Seu talento para a comédia é subestimado. Vitalidade e bondade se misturam em sua caracterização e é praticamente impossível não se afeiçoar por Joe. Sua química com Julie Christie vem de longa data e é uma das mais hipnotizantes de Hollywood.

Potencializado por um roteiro incrível e por um elenco em estado de graça – incluindo o genial James Mason -, “Heaven Can Wait” é uma verdadeira pérola setentista.

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