Heartburn

Mark acaba tendo um caso e Rachel o abandona. Se Heartburn já apresentava um profundo entendimento das emoções humanas, a partir daqui ele apenas ratifica essa qualidade. A protagonista não esconde a raiva que sente do ex marido, mas fica sempre na expectativa de um telefonema, um pedido de desculpas, chegando até a alucinar. Seu cérebro diz que o certo é seguir em frente, porém, seu coração – a arma mais potente – não consegue esquecer Mark, o que os dois construíram e os belos momentos que viveram.

Eles voltam, o jornalista pede desculpas e Rachel não hesita em perdoá-lo. Há quem julgue essa atitude, eu prefiro enxergar como um ato genuíno, que explora o paradoxo de nossos sentimentos e a complexidade que permeia nossos anseios.

Rachel parece feliz, mas demonstra insegurança e, nesse sentido, a montagem é essencial para expor o medo da protagonista, que imagina um milhão de situações. No ápice desse turbilhão de emoções, surge um outro bebê e a cena no hospital talvez seja a mais bonita de Heartburn, ressaltando, mesmo que repleto de defeitos, o carinho de Mark pela esposa.

O casamento é um compromisso, mas também é uma ilusão. Você decide acreditar em alguém, decide amá-lo, pode se machucar e, ainda assim seguir em frente. Existe uma linha tênue entre o masoquismo e a paixão e Heartburn explora esse limite com muita maturidade.

No fim, este não é o romance que esperávamos, mas um arco extremamente coeso, que vai do primeiro olhar ao momento em que tudo deixa de fazer sentido. Não é triste, na verdade, é bastante libertador e o desfecho abrupto é fundamental para mostrar que Rachel estava indo atrás de um “novo sonho”.

Mike Nichols comanda sua obra de uma forma convencional, mantendo o foco nos seus atores, sem grandes exibicionismos, o que não quer dizer que alguns de seus planos e movimentos de câmera não sejam inspirados.

O roteiro de Nora Ephron, além de expor a imprevisibilidade humana e sua natureza passional, é repleto de bons diálogos e um excelente timing cômico. A cena do ladrão invadindo a reunião de Rachel é engraçadíssima, por exemplo.

Ephron tem uma clara compreensão dos momentos fundamentais na vida de um casal – os bons e os ruins – e faz de Heartburn um misto interessante entre drama, comédia e romance.

Meryl Streep oferece uma performance espetacular, repleta de fases distintas, reações genuínas e contradições que tornam Rachel uma personagem palpável e relacionável. A atriz trabalha em cima da citada linha tênue e atinge extremos com muita classe, esbanjando bom humor e uma potente carga dramática.

Jack Nicholson está excelente como sempre. Ele é amável e afetuoso no início, porém nunca esconde seu lado mulherengo. Mark se torna, gradativamente, uma presença apagada, que não tem muita a dizer a não ser pedir desculpas. A cena em que o segundo bebê nasce é um belo exemplo do talento inesgotável de Nicholson.

Ainda que imperfeito e um tanto apressado, “Heartburn” é um filme divertido, duro e honesto, potencializado por grandes interpretações, um bom roteiro e uma trilha sonora marcante.