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Os personagens em “Hannah and Her Sisters” são tão inseguros que só poderiam sair da mente de Woody Allen.

O voiceover, sempre bem utilizado pelo cineasta, serve para contrapor a imagem que eles tentam manter, expondo suas maiores aflições e mágoas. Eles raciocinam bastante, são constantemente traídos por suas mentes e o fato de errarem tanto só os torna mais fascinantes.

Elliot é um consultor financeiro respeitado, todavia, no dia de ação de graças na casa da família de Hannah, sua esposa, ele observa Lee, sua cunhada, atentamente. Ela vive com Frederick, que foi seu professor na faculdade e continua a tratando como uma aluna.

Lee está à procura de algo a mais, não aguenta mais chegar em casa e se deparar com um sujeito que se considera superior a todos e que nega qualquer contato humano, a não ser o seu. Elliot, então, passa a persegui-la, disposto a se declarar. As palavras não saem de sua boca, mas de livros que indica. O poema de Cummings é definitivo, aumentando a tensão sexual e o desconforto dos dois, que não aguentam mais fingir. Eles desviam olhares e evitam certos temas, mas… é inevitável.

A primeira noite de sexo foi como Elliot sempre imaginou, um sonho concretizado, no entanto, quanto mais pensa no que fez, mais se julga e se enche de culpa. Podemos dizer que foi o consultor financeiro que induziu Lee a embarcar nesse romance conturbado, todavia, quando ele pensa em se desculpar e terminar seu tormento, ela telefona e afirma que nunca esteve tão ligada a alguém.

Elliot não é um mau-caráter, mas seus instintos o levaram ao precipício: uma das irmãs sairá machucada. Conviver com Frederick é um teste diário; sua imponência, física e cerebral, são inversamente proporcionais à sua compreensão acerca das relações humanas. O fragmento que melhor define sua desconexão é aquele em que vemos ele em primeiro plano, criticando a sociedade com seu habitual tom professoral, e, no fundo, Lee, após ter passado o dia com Elliot, se mexendo inquietamente, sem saber o que fazer.

Em determinado momento, as três irmãs almoçam juntas: Hannah e Holly discutem, mas a câmera foca em Lee, afetada pelas próprias decisões.

Outro fator que acentua a complicada relação é o caráter incorruptível da personagem cujo nome aparece no título. Seus dilemas são “normais”, surgem quando o marido, repentinamente, se distancia e fica nervoso ao responder qualquer pergunta. Hannah é perfeita, a mais talentosa, razoável e sensível da família. Elliot não consegue nem fingir que a culpa é dela, por isso dói tanto traí-la. Sua falta de problemas talvez afaste os mais falhos e necessitados, o que é uma desculpa idiota, que denota falta de atenção a um ser humano marcado por uma imagem idealizada.

Hannah é quem alimenta os sonhos e empreitadas de Holly, a irmã “problemática”, incapaz de ter uma relação estável e um emprego fixo.

Se Hannah é o paradigma na família, Holly é um fracasso. Esses pensamentos potencializam seus medos e inseguranças. Sua sensação é de que por mais que tente e se esforce, jamais chegará aos pés da irmã, estará sempre um degrau abaixo em qualquer diálogo ou situação.

Tratar Holly como a pobre coitada também não é a solução. Sua falta de foco, dificuldade em se relacionar com pessoas confiáveis e o seu passado com drogas são problemas exclusivamente seus.

Ela abre um bufê com April, sua melhor amiga, que, a todo instante, ratifica o papel contrário na trama, o de rival.

Acima de todos os segredos, intrigas e caos, essas irmãs se amam genuinamente, o que é traduzido a partir de interações orgânicas e simples.

Ainda temos Mickey, um roteirista televisivo hipocondríaco, que adora fazer consultas médicas preventivas, apenas para garantir que está tudo bem. A câmera segue seus passos acelerados, a ansiedade salta da tela. Da última vez, ele achou que tinha um melanoma maligno, todavia, a mancha era na sua camisa.

O doutor enxerga um problema em seu ouvido direito e designa uma série de exames, o que já é suficiente para um auto diagnóstico de tumor cerebral. Mickey é estéril, sendo este um dos principais motivos pelo fim de seu casamento com Hannah. Ela até engravidou, mas foi a partir de inseminação artificial, e o doador foi o melhor amigo do roteirista. “Eu serei o pai. Você só vai se masturbar”.

Ele chegou a sair com Holly, entretanto, foi um verdadeiro caos. Ela estava em sua fase punk, movida a drogas e adrenalina, e Mickey, como todos os personagens vividos por Allen, tem suas particularidades.

-Adoro músicas sobre extraterrestres? E você?

-Não quando são os extraterrestres que cantam.

São situações brilhantemente pontuadas pelo roteiro e pela montagem que, além de engraçadas, engrandecem o desfecho.

O discurso precavido dos médicos é o terror dos paranoicos, todavia, os exames não apontam nada. Em vez de aproveitar a vida, Mickey tem uma crise existencial à lá Bergman e vai em busca de respostas. Deve haver algo a mais, algo depois, um Deus, uma entidade, algo…

Imaginem Woody Allen tentando se converter ao catolicismo e depois aos Hare Krishna. Sim, é um de seus auges cômicos. Assim como tudo em seus filmes, podemos analisar seu pânico por diferentes óticas. Poucas vezes vi um retrato tão honesto e visceral, por mais engraçado que seja, de um homem tomado pela ansiedade, incapaz de viver o cotidiano. Seu pai, que aparece brevemente, é certeiro: “lidarei com isso na hora certa”.

Se o tempo aqui é curto e imprevisível, por que se queixar com algo incontrolável? Por que não curtir um pouco?

É muito fácil dizer isso, mas quando Mickey alinha sua traiçoeira mente, chega a mesma conclusão. Talvez exista um Deus, talvez exista vida após a morte… o talvez é o melhor que temos. Ele não precisava ir à igreja, era só assistir “Duck Soup”, dos irmãos Marx, novamente.

No fim, às suas maneiras, os personagens encontram um caminho. As dúvidas persistem, no entanto, as convicções são maiores e a estabilidade mental também.

“O coração é um músculo muito elástico”.

Elegante em sua condução e movimentação de câmera, Allen inova, inserindo títulos explícitos para diferentes situações.

A fotografia acinzentada conversa com as questões nebulosas que atormentam a consciência dessas pessoas. A trilha sonora jazzística é meticulosamente apropriada para cada momento. A montagem, além de controlar bem a passagem de “capítulos”, transita perfeitamente entre os personagens e impressiona pelo excelente timing cômico.

Woody Allen, Michael Caine, Mia Farrow, Dianne Wiest, Barbara Hershey, Max von Sydow e Carrie Fisher… que elenco!

Caine e Wiest foram merecidamente premiados pela Academia e, de fato, são os que oferecem as performances mais complexas. O desejo e a culpa que o ator britânico carrega no rosto são grandiosos – o voiceover é apenas o toque final.

“Hannah and Her Sisters” é um dos vários clássicos atemporais de Woody Allen. Mais uma obra prima na qual ele esbanja humanidade e empatia.

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