“Gloria Bell” é sobre uma mulher que se recusa a parar de viver. O diretor Sebastián Lelio opta por uma narrativa que explora o cotidiano da protagonista, apresentando, ao espectador, um retrato íntimo e honesto.
Gloria frequenta uma espécie de boate para a meia idade, um lugar marcado por boas músicas e por luzes roxas e azuis, onde ela vai para se divertir, dançar e, quem sabe, conhecer alguém. Gloria se divorciou há doze anos e seus filhos não clamam mais por sua atenção; pelo contrário, com o tempo, a situação se inverte. É ela quem os procura, num desejo de retomar contatos que nunca mais serão os mesmos. Gloria tem orgulho dos caminhos traçados por Anne, que está prestes a se mudar para a Suécia, e Peter, que já é pai, todavia, esse sentimento se mistura com uma melancolia que, sinceramente, parece inevitável.
Gloria trabalha num escritório, gosta de cantar enquanto dirige, toma remédios antes de dormir, se depila e faz questão de ser atenciosa com suas amigas. Gloria evita a inércia, pois está à procura da felicidade; quer continuar sorrindo, vivendo ao máximo e se sentindo atraente. “Quando o mundo explodir, eu espero estar dançando”. Eis que, na boate, a protagonista conhece Arnold, um homem recém divorciado que, pelo simples fato de estar naquele ambiente, também está à procura de companhia. Lelio entende que aproximações costumam ser constrangedoras, mesmo após anos de experiência – os diálogos iniciais geram um certo constrangimento, como se algo os impedisse de dizer o que realmente querem. Ao abrir o quadro, para um plano conjunto, o cineasta quebra a tensão inicial. A montagem, a partir de cortes secos, contribui para a ideia de cotidiano. O sexo é especial, mas o trabalho não pode parar.
Arnold tem duas filhas, no entanto, diferentemente de Gloria, elas ainda dependem excessivamente dele. Esse contraste, destacado em sequências que deveriam fortalecer a relação entre os dois, é responsável pela separação do casal. Em um gesto afetuoso, Gloria introduz Arnold ao convívio com seus filhos e ex-marido. A família observa fotos do passado e narra as situações com enorme ternura. Arnold, distante, fica na cabeceira, sentindo-se como um intruso que jamais poderia interagir assim com sua família. Ele vai embora, acarretando a primeira crise. Em outro momento, numa viagem a Las Vegas, Arnold recebe uma ligação histérica das filhas, que relatam um acidente doméstico sofrido pela mãe. Lélio aborda o dilema do “livre arbítrio”, ressaltando que, se deixarmos entes queridos dominarem nossas vidas, não teremos vida alguma. Arnold não age por vontade própria, mas por se sentir agarrado à adultas que não amadureceram. A família é uma faca de dois gumes; pode ser uma benção ou um pesadelo. Em sua performance, Turturro constrói um ar melancólico e cansado, deixando nítido que gostaria de embarcar naquela jornada, mas que, por questões delicadas, não pode.
Gloria, por sua vez, apesar dos baques e dos lapsos de tristeza, faz um esforço para se manter inquieta, provando, no fim, ser uma mulher forte que continuará tentando e dançando. O roteiro aborda o envelhecimento de Gloria em diferentes níveis: o problema de visão é óbvio, mas a pequena confusão entre “carta” e “e-mail” é uma sacada inteligente. Lelio aproveita a obsessão da protagonista por música, ancorando algumas das canções aos seus dramas pessoais. Sua câmera a observa constantemente – o rosto de Gloria é uma ímã de emoções profundas e contraditórias. Nesse sentido, há de se destacar a interpretação magnética e repleta de espontaneidade de Julianne Moore.
“Gloria Bell”, refilmagem de “Gloria”, também dirigido por Sebastián Lelio, é um belo filme.