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“Porém, devido ao conteúdo altamente controverso, recomendamos que as crianças não o assistam”.

Eu discordo totalmente desse fragmento. “Elmer Gantry” deveria ser obrigatório em qualquer escola. O filme de Richard Brooks segue atualíssimo e apresenta um painel bastante rico em relação à religião, seus profetas e devotos.

O protagonista, que dá nome ao título, é um vendedor de eletrodomésticos cuja facilidade em cativar homens não é traduzida em seus lucros. Ele é engraçado e sabe contar boas histórias como ninguém, mas vive uma vida errante, dormindo em hotéis que se assemelham a cortiços. Gantry tem respostas para tudo, se adapta a qualquer ambiente e, em um de seus monólogos, a fim de ajudar uma senhora com a caixinha para o natal, percebe que leva jeito para ser pastor.

Ele rapidamente entra no jogo da fé e Sharon Falconer é o trampolim que precisa para alçar voos adequados à sua ambição. Ela também tem uma boa retórica, todavia, não a utiliza para bens materiais. “Quem lhe dá o direito de falar por Deus?”, pergunta Jim Lefferts, o jornalista que acompanha o crescimento da dupla.

A igreja é um templo que preserva e enaltece o divino, mas é cercado por seres humanos. Gantry é um homem do povo, reconhece a angústia alheia e não mede esforços para alcançar o status de líder. Em seus sermões, o inferno e a penitência são brutalmente enfatizados. Os inocentes se sentem culpados e os pecadores, limpos. Se lembram de Eli Sunday, personagem vivido por Paul Dano em “Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson? Imaginem um filme sobre a sua ascensão e queda. O protagonista salta e grita, abusando da ingenuidade de pessoas dispostas a pagarem o que não têm por um mísero “conforto”. Falconer, em contrapartida, representa aquilo que pastores e padres deveriam ser – um remédio, um consolo em meio a um cotidiano tumultuado.

Ela reconhece a ambição de Gantry, no entanto, além de nutrir algum sentimento pelo “pé-rapado”, percebe que o número de fiéis aumenta com a sua presença. Em determinado momento, Falconer pede para que todos se silenciem e rezem. A igreja deveria ser esse lugar, não uma tenda circense com animais e shows performáticos. “O cristianismo é uma empresa lucrativa”.

O protagonista descreve o céu como um lugar exclusivo para os paladinos da moral, quer que seus fiéis temam Deus e paguem o que for necessário para alcançarem a paz eterna. Aos poucos, ele ocupa o espaço de Morgan, empresário da dupla, no quadro, assumindo a posição de líder absoluto.

Como é usado o dinheiro arrecadado? Eles investem em propriedades sem pagarem impostos? Lefferts levanta alguns questionamentos em sua coluna, destruindo a imagem do circo. Babbitt, um político oportunista, decide cortar relações com Gantry, que descobre que uma de suas propriedades serve de bordel. O protagonista sabe que, no fundo, ainda tem o povo ao seu lado, afinal, Lefferts é um ateu declarado e, segundo Gantry, estaria zombando da fé alheia. Subvertendo a difamação, ele cresce e fica cada vez mais obcecado pelo poder, pela chance de apontar o dedo e distinguir o certo do errado.

O contra-plongée ressalta a imponência de um sujeito que colocou a multidão contra os intelectuais e que, em sua hipocrisia, se queima no fogo do inferno. A fumaça e as chamas que condenam as bebidas alcoólicas e os pecadores são, na verdade, um julgamento moral do cineasta Richard Brooks, que enxerga em seu protagonista o verdadeiro mal da sociedade.

Se qualquer um pode subir no palco, Deus deixa de ser uma entidade superior, sendo apenas um chavão. Falconer assume uma condição quase de santa, salientada através de seu figurino – azul claro ou branco – e, ao não resistir às investidas de Gantry, adentra (literalmente) uma escuridão que resulta numa imediata mudança de personalidade. Ela deixa de ser a mensageira e se transforma numa mulher com desejos simples, como, por exemplo, um piquenique. Enquanto isso, o protagonista fala em cheques e se vê rodeado de flores – símbolo do poder adquirido.

Eis que surge Lulu Bains, uma prostituta e ex-companheira de Gantry. Burt Lancaster toma conta da tela com seus gestos grandiloquentes, risada forçada e entonação vocal característica de um líder incontestável. Ele dá vida a um personagem que está sempre interpretando a versão adequada para cada ocasião e a alteração na sua expressão ao escutar a voz de Lulu é sucinta, resgata o homem perdido nas máscaras que vestiu.

Por amor e ódio, ela se vinga de sua grande paixão e é curioso constatar que, no único momento em que Gantry age como um ser humano digno de compaixão, ele é humilhado, agredido e abandonado pela legião de fiéis. “Os desordeiros não gostam que seus Deuses sejam humanos”.

O protagonista fica inerte como Jesus Cristo, pois sabe que merece as punições, não porque acredita ser a sua reencarnação.

O roteiro de Brooks critica também as atitudes do povo, que, por uma descrença em si, cai em golpes risíveis e exige um comportamento irrepreensível de seu guia. Pessoas que ateiam fogo nas ruas não devem ir à igreja, mas ao psiquiatra – urgentemente.

Em um plano-conjunto espetacular, Brooks separa Falconer e Lulu – o sagrado e o profano. Essa é uma visão reducionista acerca de mulheres jogadas no mundo e, no fim, essa distinção se prova injusta. As pessoas são definidas por seu caráter, não por suas ocupações; o céu e o inferno estão na terra e Deus é a empatia que nos possibilita olhar para tais seres e amá-los igualmente.

Gantry já foi um homem sensível e caminha na direção oposta da igreja; não por não acreditar em seu simbolismo, mas por notar que ali não é o lugar em que sua versão mais honesta reside.

O vermelho está por todos os lados, destacado pela direção de arte e pela fotografia, principalmente no desfecho, no qual as mais diversas conotações são aceitas. O amor de Falconer por seu templo? O medo generalizado? A punição pela farsa?

Elevado por Burt Lancaster, que oferece um verdadeiro tour de force, “Elmer Gantry” é uma obra poderosa que, infelizmente, ainda diz muito sobre a sociedade contemporânea.

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