Dirigido pelo norueguês Dag Johan Haugerud, “Drømmer” demonstra a rara habilidade de dialogar sobre aquilo que todos conhecem de uma maneira refrescante e sensível. Ao dizer que os livros são refúgios, Johanne, ainda que não saiba, admite ser uma jovem idealizadora e romântica. No primeiro dia de aula, ela se apaixona por sua professora de francês, o que é ressaltado pela intensa luz que reflete na amada, pelo seu sorriso encantador e gestos corporais que denotam nervosismo. O roteiro faz de Johanne, ao mesmo tempo, ingênua e madura, alcançando uma doçura que se confunde com a curiosidade sexual. A protagonista se isola das amigas; quer sua cabeça livre para fabricar os mais variados cenários e é fascinante vê-la encarar as contradições impostas por seus pensamentos. Estar apaixonado é terrível e fantástico; escancara a solidão e ativa gatilhos altamente prazerosos. A mente é traiçoeira, não distingue bem os sonhos da realidade, levando-a à grande questão: falar ou morrer?
As escadas caleidoscópicas, que precedem o primeiro encontro “particular” entre as duas, salientam o tamanho do sentimento retido por Johanne, que, ao optar por um meio termo, visitando a professora frequentemente sem revelar a verdade, entra num universo de idealizações ainda mais profundas. De repente, aprender a tricotar vira uma prioridade. Tudo é contado a partir de flashbacks, pela perspectiva da garota, que, a fim de manter a chama acesa, escreve um livro. Nesse sentido, o uso constante de voiceover é preciso, colocando o espectador em contato com os anseios de Johanne, cuja intimidade com as palavras torna a experiência mais delicada e genuína. A protagonista mostra o livro para a avó, que é poeta e fica impressionada com a qualidade da escrita. A mãe é pega de surpresa e já pensa num possível caso de abuso, todavia, e esse é um dos grandes baratos do filme, na medida em que ela se acalma e relê os relatos, passa a enxergar a beleza do amor e da autodescoberta. Juntas, as duas analisam o livro e, devido à riqueza do texto, chegam à conclusão de que não há vitimismo ali, apenas afeto, o que é sintetizado, por exemplo, pela predileção da fotografia por tons quentes na casa da professora, pela linda trilha sonora e pelo poético plano-detalhe das folhas desabrochando no chá. A mãe e a avó são responsáveis por interações engraçadíssimas – da releitura da obra a uma discussão sobre “Flashdance”.
Johanne também é enfática ao descrever a sensação de impotência, de perceber que as coisas não vão avançar e que, por mais carinho que exista do lado da professora, ela é vista como uma criança. A dor é real, mas esquecer não é uma possibilidade plausível. Quando a mãe encontra a professora para conversar acerca da publicação do livro, fica nítido quão bizarro é o funcionamento do coração humano – esta é a história de um lado só. “Se ninguém te quer, você não é ninguém”. “Ela tinha alguém, eu tinha o livro”. Outro detalhe fundamental para a fluidez narrativa e que diz muito sobre esses personagens, é a reação natural da família da protagonista à sua homossexualidade – não existe tabu. No fim, a mudança no figurino e no cabelo reforçam o amadurecimento de Johanne, que não tem dúvidas de que outros livros virão por aí…
Ella Øverbye oferece uma performance rica em nuances. A jovem atriz transita muito bem entre a perspicácia e a imaturidade, compondo uma personagem crível e relacionável que atravessa um arco poderoso.
“Drømmer” é uma obra prima.