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Ferdinando Cefalú, um barão decadente, se encontra numa posição carcerária. Não, ele não cometeu um crime; são as correntes do matrimônio que apertam seus punhos e esfolam seu pescoço. Em determinado momento, Ferdinando é enquadrado atrás de grades de uma janela, potencializadas pela presença de fumaça – talvez ele esteja no inferno, não na prisão.

A fim de ser o país dos bons costumes e da moral elevada, a Itália, neste período, proibia o divórcio. A comédia possibilita que a crítica ao sistema seja mais contundente, atingindo vespeiros com a dose perfeita de sarcasmo. 

Ferdinando ama Angela, sua prima, mas não pode fazer nada, afinal, assinou um contrato vitalício com Rosalia. Por trás de olhares de tédio e resignação, há uma mente que idealiza diferentes cenários. O diretor Pietro Germi contempla a subjetividade do protagonista, apresentando tais cenários ao espectador com um timing cômico louvável. Germi usa o zoom justamente para fugir da realidade, aproximando-nos do universo de Ferdinando – seja para realçar uma conexão “invisível” com Angela, seja para salientar sua imaginação fértil. Na primeira metade, Germi solidifica a situação de Ferdinando e sua paixão pela prima, que é ressaltada, por exemplo, por uma trilha sonora sensível que, por vezes, é introduzida de maneira cômica. Germi prova ser um cineasta sofisticado a ponto de propor brincadeiras metalinguísticas. Enquanto Ferdinando lê a carta de Angela, o tema romântico sobe; todavia, quando Rosalia o interrompe, a música também é interrompida. Em outro momento, o ato de rebobinar uma fita de áudio é sincronizado com a imagem – é o tipo de detalhe que ajuda a estabelecer um tom descontraído e divertido. 

Ao retratar uma cena de amor, Germi preza por uma certa artificialidade, fazendo questão de diferenciar as “fases” de Ferdinando. Vê-lo beijando Angela no jardim não é suficiente, sua câmera tem que nos direcionar à bela lua, ao fundo. O protagonista, então, toma conhecimento de um julgamento envolvendo uma esposa que, após ter sido traída, matou o marido. Nesses casos, a pena costuma ser mínima; ou seja, o sistema basicamente incentiva cônjuges insatisfeitos a despertarem o assassino dentro de si. “Divórcio, não; homicídio, sim” seria um slogan político bastante apropriado. O voice-over, recurso que já vinha sendo utilizado por Germi, nos coloca em contato direto com a obsessão de Ferdinando pelo plano perfeito. Ele pensa em formas de burlar a fidelidade de Rosalia, desvenda mistérios e chega ao nome perfeito: Carmelo Patanè. Ferdinando precisa apenas pegá-los no flagra e matá-los. A voz do advogado que defende seus clientes como se estivesse numa novela já ecoa em sua mente, sempre em sintonia com os mínimos ajustes do plano. 

Germi se aproveita do absurdo para tornar sua comédia mais ácida, concluindo que o pior moralista é o imoral. Quando “La Dolce Vita” estreia, parte da população se revolta, indignada com o retrato da sociedade italiana proposto por Fellini. No entanto, ao entrarem na sala – por sinal, lotada -, todos ficam hipnotizados, como se vissem aquilo que verdadeiramente são ou que desejam ser. As máscaras da virtude moral não combinam com a natureza humana. Agnese, irmã do protagonista, e seu noivo estão sempre em vias de iniciar uma relação sexual, sendo interrompidos por alguém. Eles vão se casar para poder transar em paz ou porque realmente querem? A banalização do termo “pecado” é um dos mandamentos de uma sociedade moralmente imoral. E, claro, aquilo que é proibido atrai muito mais o ser humano. O cuidado da direção de arte ao expor a situação da família de Ferdinando é notável. A mansão é espaçosa e bela, com destaque para o jardim, mas a precariedade de certos cômodos e móveis revela a decadência financeira dos Cefalú. 

O desfecho é deliciosamente sarcástico e sujo – e pensar que tudo aquilo foi para algo que, hoje, se resolveria com a assinatura de alguns papéis. Marcello Mastroianni está sensacional na pele de um sujeito que esconde grandes emoções e arapucas. Seu personagem personifica o tédio matrimonial, ao mesmo tempo em que é fascinante de se observar. Mastroianni iguala Germi na ironia e respeita o arco de Ferdinando, atingindo momentos de raiva e exaustão. “Divórcio à Italiana” é uma das grandes pérolas do cinema italiano.

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