Em “Dirty Pretty Things”, Stephen Frears não abre concessões para explorar o duro cotidiano de imigrantes ilegais em Londres. Okwe é taxista pela manhã e dá um jeito de obter medicamentos para seus colegas, com gonorreia. À noite, ele trabalha como recepcionista em um hotel. Ao se deparar com um coração humano entalado na privada, seu primeiro instinto é ligar para a polícia; todavia, lembra que precisa se manter invisível. “Você é ilegal, Okowe. Não tem posição aqui. Não tem nada. Você não é nada”, diz Guo Yi, um médico que o ajuda em situações delicadas, trazendo à tona sua realidade clandestina e fantasmagórica. O protagonista pensa apenas em sobreviver, se esquiva de exposições desnecessárias (e necessárias) e nega noites de sono. Os imigrantes não têm o direito de adoecer e de reivindicar por condições menos insalubres; habitam as sombras e precisam se contentar com a miséria.
Senay é turca e a conjuntura para continuar legalizada em Londres é não trabalhar, o que, obviamente, não acontece. A tensão aqui é real; surge quando o Serviço de Emigração bate à porta em busca de respostas, sem qualquer cuidado. Ela é obrigada a abandonar o hotel e consegue um emprego numa fábrica de tecidos, onde é fisicamente violada pelo patrão em troca de sigilo. Senay está quase sempre fugindo, à beira de ser capturada, o que justifica seu nervosismo constante. Okowe aluga o sofá de seu apartamento e a relação entre os dois desafia clichês comuns a esse tipo de história. O protagonista encobre um passado obscuro e aprendeu a evitar sentimentos, mantendo uma existência vampírica. Frágil, Senay é acolhida por Okowe e, juntos, os dois alcançam a tão sonhada dignidade.
O roteiro não foge do tema central; não inventa um romance para facilitar a experiência do espectador. A união parte da necessidade e do medo de ser deportado. Frears não investe numa tensão sexual, o amor é sutil e sussurrado, parte de amigos em uma situação calamitosa. Sneaky, o chefe da dupla, participa intensamente do tráfico de órgãos e usa a falta de opções da turca para colocá-la contra a parede. Seu maior sonho é ir para Nova Iorque e Sneaky forja passaportes com certa facilidade. Muçulmana, Senay cumpre à risca sua religião e o fato de se entregar sexualmente por chantagens reforça a impotência de seres sem qualquer poder de barganha. As culturas são diversas; o drama é o mesmo.
Senay, então, se coloca à disposição para doar seu rim, no entanto, Okowe, que era médico, a fim de garantir sua integridade física, afirma que será o responsável pela operação. Eu gosto quando roteiros encontram saídas satisfatórias e verossímeis, não permitindo que o espectador se sinta trapaceado ou decepcionado com um desfecho tacanho. Não há convicção, somente a esperança de que dias melhores estão por vir. Frears aposta numa narrativa circular, cujo intuito primordial é nos inserir na rotina pesada, exaustiva e triste desses personagens. A opção por não destrinchar o passado deles é acertada; a empatia surge de maneira orgânica, ao notarmos a bondade e a vulnerabilidade dos imigrantes. A fotografia aposta em tons frios e invasivos, que ressaltam, respectivamente, a melancolia e a opressão diária. O cineasta, por vezes, fecha o quadro a fim de expor a claustrofobia sentida pela dupla e gerar tensão – nesse sentido, a trilha sonora agitada também é eficiente.
Chiwetel Ejiofor oferece uma performance singela e humana. Seu rosto esconde traumas e estampa a aceitação diante do inaceitável. O ator demonstra cansaço com naturalidade e seu altruísmo não soa forçado. Audrey Tautou, por outro lado, é uma figura desconfiada e ingênua, que fala de Nova Iorque como uma criança encantada. A humilhação que Senay sente nas cenas de abuso sexual é palpável e expressada com muita sutileza.
“Dirty Pretty Things” é um filme importante e subestimado.