“Leaving Las Vegas” é um filme sobre pessoas desesperadamente solitárias, que, ao se esbarrarem, encontraram alívio e carinho.
Ben é o “herói” da história. Ele chega em restaurantes e é discretamente expulso; se interessa por uma mulher em um bar, tenta ser agradável, mas atinge o efeito contrário; é demitido pelo chefe e chega a uma conclusão.
Ben está na última fase do alcoolismo, não há nada além de dor e sofrimento em seu cotidiano. As últimas gotas de uma garrafa são o prenúncio da morte e é para lá que ele quer ir.
O protagonista monta uma fogueira e joga tudo dentro, inclusive o seu passaporte e uma foto – provavelmente de um casamento fracassado.
A atuação de Nicolas Cage é tão poderosa, que conseguimos sentir seu esforço para se manter em pé. As palavras saem arranhadas, as simpatias viram grosserias e o humor se torna insuportável. Ninguém o aguenta, nem ele mesmo, e, o mais triste, é constatar que Ben não se lembra nem porque começou a beber.
Sozinho e solitário, o protagonista vai para Las Vegas com o intuito de se embebedar até morrer, e encontra Sera, uma prostituta, que vaga pelas ruas noturnas.
Sua a vida é tão vazia e miserável quanto a de Ben. Ela presencia absurdos, é tratada como um objeto e se mantém passiva, pois sabe que este é o seu papel. Sonhos e desejos são deixados de lado, em um cotidiano que preza pela atuação. Sera nem sabe mais direito quem é.
Ben a convida para seu hotel, não para transar, para conversar e relaxar. A música romântica enfatiza que aquilo é o mais próximo que ambos vão chegar de um encontro. Eles não tinham ninguém e acharam um fio de esperança em uma trama movida pela tragédia.
Sera vê pureza e sensibilidade em Ben, que, pela primeira vez, bebia e não se sentia julgado.
Eles constroem uma relação de entendimento e respeito, sem tempo para questionamentos, ambos se aceitam pelo que são e aproveitam o curto tempo ainda disponível.
“Leaving Las Vegas” conta uma história de amor, porém de um amor que é apenas a amarra que une dois seres vazios e solitários.
O filme tem seus momentos sensuais, mas são os contornos mais singelos que chamam a atenção e é a condição dos personagens que os tornam tão sinceros e comoventes. Eles esperaram, sofreram e, finalmente, se depararam com algum tipo de conforto.
Ben ganha vida, as roupas dadas por Sera denotam a nova fase, contudo, nunca criamos falsas expectativas, sabemos como será seu desfecho – o título o anuncia. Em determinada cena, ele suja a camisa de sangue em uma briga. E o vermelho do sangue é a cor explorada tanto pela direção de arte – nas paredes do quarto – quanto pela fotografia – nas ruas de Las Vegas. A principal conotação é a de inferno astral, estando também ligada à violência urbana.
O cantil parece um objeto banal, mas simboliza o respeito que um tem pelo outro e reafirma que os dois têm consciência de que aquela é uma relação passageira.
O convívio traz à tona sentimentos humanos como o ciúme e o medo. Eles acabam se separando, no entanto, logo percebem que cometeram um erro.
A cena em que Sera é agredida por um grupo de jovens é deprimente – o auge de sua fragilidade emocional.
O final é poético, poderoso e avassalador.
As músicas compostas por Sting são, simultaneamente, melancólicas e reconfortantes, definindo a jornada de ambos.
Mike Figgis respeita os protagonistas e, invariavelmente, molda seus planos sob as perspectivas deles. O maior mérito de sua direção é compreender o mundo habitado por Ben. Os enquadramentos distorcidos, os movimentos inesperados, as imagens turvas e os cortes rápidos criam um enorme desconforto no espectador, que vislumbra o inferno.
A trilha sonora jazzística – do próprio Figgis – também compõe bem esse universo, a partir de batidas tumultuosas e decadentes.
Nicolas Cage dá a sua melhor performance, merecidamente premiada com o Oscar. O ator atinge todos os estágios deploráveis de um alcoólatra, através de trejeitos, olhares distantes e reações expressivas, e ainda consegue transformá-lo em um sujeito sensível, que conta com o carinho do espectador.
Elisabeth Shue não fica muito atrás. Sua interpretação é fantástica. Ela transmite medo, insegurança, amor e afago com a mesma intensidade. Seu semblante é carregado de emoções. Os sentimentos vão se tornando palpáveis, lentamente, dando a Sera um senso de genuinidade ainda maior.
“Leaving Las Vegas” atinge dois níveis:
O retrato de um homem que se convenceu do suicídio e o relacionamento “salvador”, entre duas pessoas que respeitam sua finitude. Não é agradável, mas é um grande filme, sobretudo pelas interpretações.
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