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Sidney Bruhl é um roteirista teatral em plena decadência. Sua última peça foi descascada pelos críticos e sua situação financeira está cada vez menos confortável. Eis que ele recebe um rascunho de Clifford Anderson, um de seus alunos, que deseja escutar sua opinião antes de ir adiante com a peça. Sidney não escreve nada razoável há anos e reconhece um sucesso ao lê-lo. Assim como as obras do protagonista, “Deathtrap”, nome da peça de Clifford, é um suspense com reviravoltas e assassinatos. O protagonista, mergulhado na desilusão dos fracassos, começa a ter pensamentos macabros, reconhecendo a possibilidade de matar Clifford para assegurar um sucesso que catapulte sua carreira. Myra, esposa de Sidney, flerta entre a culpa e a excitação, provando ser, ao longo do aguardado encontro, um dos principais fatores para a comicidade do filme.

Lumet é o cineasta que melhor adapta peças teatrais. Ele se desvencilha das arapucas do palco, imprimindo tensão a partir de uma mise en scéne minuciosa, enquadramentos que expõem o que é ocultado pelos personagens e uma montagem que sabe a hora de se mostrar mais ativa. Os close ups, sempre oportunos, revelam intenções e sentimentos; em um plano conjunto, Lumet reforça a rivalidade entre Clifford e Sidney – cada um em sua máquina de escrever -; e, através da posição dos personagens e da opção por ângulos específicos, como, por exemplo, o contra-plongée, indica quem está no comando. A residência do protagonista divide aspectos rústicos e elegantes; é, ao mesmo tempo, um esconderijo e uma recordação dos velhos tempos. A quantidade de armas exibidas nas paredes ressalta o seu fascínio pelo teatro e, principalmente, o caráter metalinguístico da narrativa. Nesse sentido, a luz roxa que domina um canto da casa confere um aspecto misterioso e sinistro àquela situação.

Pois bem, após algumas interações desconfortáveis, Clifford nota que algo está sendo tramado, o que não o impede de ser brutalmente enforcado. Como o título da peça (e do filme) sugere, Sidney arquitetou uma armadilha mortal para o aluno. A partir daí, o roteiro prepara uma série de reviravoltas para o espectador, que, a todo instante, reavalia o cenário e a relação entre os personagens. Tudo havia sido um plano para se livrar de Myra, que sofria de problemas cardíacos e retinha bens que salvariam o protagonista da falência. O verdadeiro casal, Sidney e Clifford, agora vive e trabalha junto. A linha entre realidade e ficção fica ainda mais tênue quando descobrimos que a nova inspiração de Clifford é justamente o fatídico dia, deixando Sidney furioso e preocupado com as possíveis assimilações que o público fará entre a peça e a morte de Myra. A personalidade instável do aluno destaca traços de sociopatia; talvez a nova peça esteja sendo desenvolvida ali, em tempo real. Essa noção torna tudo mais divertido, permitindo que Lumet brinque com as possibilidades e subverta o que parecia certo. “Pense em tudo que aconteceu naquela noite. Agora, tente ver do ponto de vista do público”. Clifford e Sidney são, também, os atores da peça; homens que, silenciosamente, transformam-se em inimigos. Não sabemos quem vencerá o duelo sanguinolento, mas temos certeza que o material é de altíssimo nível, afinal, assistimos ao “processo criativo” por inteiro. No clímax, Lumet abraça de vez a metalinguagem, utilizando artifícios manjados para que Clifford possa admitir quão apropriada a tempestade é. Helga ten Dorp, a vizinha vidente de Sidney, tem uma função premonitória, dando pistas ao espectador do que está prestes a acontecer. Sua introdução é bem pensada e seu desfecho não poderia ser mais irônico.

Michael Caine, com seu jeito inglês, está perfeito como o renomado roteirista que, por mais pomposo que seja, não consegue esconder sua decadência. Christopher Reeve, o eterno Superman, oferece uma performance magnética e repleta de nuances. Ele surge simpático e ingênuo e, aos poucos, revela sua verdadeira face, indo do amante apaixonado ao maníaco imprevisível com muita naturalidade.

“Deathtrap” é um dos projetos mais “despretensiosos” e divertidos da carreira de Sidney Lumet. 

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