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“Cocoon” não esconde a triste realidade dos idosos que vivem em asilos. O humor conversa com a experiência que carregam, mas são as camas e as cadeiras de roda que caracterizam o ambiente. Entre jogos de bocha e testes de vista, alguém morre.

Benjamin, Joseph e Arthur costumam invadir a piscina da casa ao lado. É o momento de maior liberdade e diversão na rotina desses senhores. Eis que um grupo de pesquisadores aluga a tal casa e passa a depositar enormes casulos na piscina. Repentinamente, os idosos começam a se sentir excepcionalmente bem, como jovens na flor da idade, o que é ressaltado pela trilha sonora, o uso de câmera lenta e pelas piruetas concebidas pelo trio.

Os inquilinos são, na verdade, alienígenas que vieram à terra para resgatar seus amigos, perdidos no fundo do oceano há mais de dez mil anos. Para garantir o bem-estar dos casulos, a piscina foi energizada. Os extraterrestres, aqui, não são ameaçadores ou perigosos, pelo contrário, estabelecem uma forte empatia pelos humanos. Quando Jack, o dono do barco utilizado por eles, descobre a real natureza dos clientes, Ron Howard rapidamente subverte a claustrofobia comum a um pequeno barco à deriva e a nossa primeira impressão acerca dos visitantes.

Walter, o líder dos alienígenas, compreende as angústias e os anseios dos senhores, que vislumbravam algo que julgavam ser impossível, e permite que usem a piscina, com a condição de não encostarem nos casulos. O câncer de Joseph desaparece, o sorriso em seus rostos é genuíno e a farra vira prioridade. Eles voltam a satisfazer suas esposas e as roupas de cores chamativas reforçam essa nova fase – quase que um retorno ao passado. No teste de vista, Benjamin, que tinha dificuldades com as primeiras linhas, pula direto para a última. “Estou com pressa”.

Os espaços abertos, normalmente ofuscados pela senilidade do asilo, são destacados através de belos planos gerais. A montagem no estilo “vídeo clipe” salienta a diversão na época do esquecimento. “Cocoon” é realmente adorável, mas também é reflexivo em relação à natureza humana. Jovens nos corpos de idosos? O êxtase traz à tona a imaturidade de Joseph, que não sabe a hora de voltar para casa e trai a esposa. Não é culpa da piscina, ele já havia feito isso várias vezes no passado.

É certo quebrar o ciclo natural das coisas? É certo voltar a ter aquilo que se foi com o tempo? Isso não implica a perda da experiência conquistada ao longo das décadas? Outro ponto a ser levantado é a finitude da fonte da juventude, afinal, os alienígenas não demorariam para retornar ao espaço sideral. Não seria um tanto deprimente retornar à bocha e às interações pacatas? Estamos falando de um grupo de senhores com caráter e dignidade, que, apesar de deslizes naturais à sedução da carne, sabem exatamente onde estão e no que estão se metendo. As portas ficam abertas, os colegas morrem semanalmente. Por que não aproveitar uma chance literalmente de outro mundo? Por que não relembrar os bons tempos antes de partir?

“Do jeito que a natureza vem nos tratando, não me importo de enganá-la um pouco”, diz Benjamin, numa fala que sintetiza a obra. A relação entre humanos e alienígenas deveria ser o paradigma para anfitriões e estrangeiros ao redor do mundo. Os visitantes não chegam demonstrando poder, nem impondo vontades; eles entendem a dor do luto, o medo do desconhecido e conhecem o amor. Os humanos, por sua vez, não tendem à histeria, não julgam a missão alheia e estendem a mão para aquele que se encontra em um território estranho.

Jack, interpretado pelo simpático Steve Guttenberg, se apaixona por Kitty, do grupo dos alienígenas, e, numa cena que ressalta a importância da coexistência e da compaixão, ela o ensina como seu povo manifesta afeto. A intensa luz vermelha é suficiente para captarmos a força daquele contato.

-Não sou como as outras mulheres.

-Isso é bom.

A fotografia é espetacular, tanto ao captar a beleza das paisagens naturais, quanto na explosão visual dos feixes alienígenas luminosos que adentram os rostos humanos fascinados. Howard apresenta um equilíbrio incrível entre a pureza da fantasia e a dor da velhice. Seu filme é doce, mas não deixa de ter momentos tristes e pesados.

A montagem paralela surge para gerar tensão, sendo extremamente efetiva no clímax, que impressiona pela escala grandiosa – a eternidade coletiva não pode ser menosprezada.

Don Ameche, Wilford Brimley e Hume Cronyn oferecem performances magnéticas e merecem elogios pelo excepcional trabalho corporal. Eu não tenho dúvidas de que, assim como seus personagens, eles se divertiram bastante durante as gravações.

“Cocoon” é o tipo de iguaria que somente cineastas da categoria de Ron Howard, Robert Zemeckis e Steven Spielberg seriam capazes de realizar.

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