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O cinema de Yorgos Lanthimos é constantemente associado ao absurdo. Em “Bugonia”, o grego segue na sua inconfundível linha autoral, proporcionando ao espectador algo raro nos termos da arte contemporânea: uma experiência inovadora.

“Bugonia” é, ao mesmo tempo, tenso e engraçado; alarmante e descompromissado; simples e complexo. O paradoxo é algo comum aos projetos de Lanthimos, mas ele nunca foi tão acessível e divertido de se presenciar. 

Os créditos iniciais, com algumas letras em caixa alta, já geram estranheza. Os planos-detalhe de flores e abelhas abrem a narrativa, deixando o espectador num estado de paz que é, rapidamente, evaporado. Teddy é um apicultor e, segundo sua última pesquisa, alienígenas estão prestes a destruir o planeta Terra. Don, seu ajudante, é um sujeito sem rumo que está ali porque não tem para onde ir. Ele não entende o que Teddy diz, nem tem interesse em se aprofundar; estar ali significa não estar sozinho e isso é o bastante. Teddy não tem dúvidas de que a alienígena responsável por tal plano exterminador é Michelle Fuller, CEO de uma grande corporação, então arquiteta um plano para sequestrá-la. 

Antes do aguardado “encontro”, a montagem expõe as diferentes realidades, indo da luxuosa mansão de Michelle e de sua rotina regrada para a bagunça dos marmanjos que andam de bicicleta e se exercitam no improviso. O humor está aí; está na paranoia de Teddy, capaz de qualquer coisa para cortar os censores dos alienígenas, e na corporalidade do embate físico entre os personagens. A partir do momento em que Michelle é sequestrada e mantida em cativeiro no porão da casa, o filme se transforma num festival daquilo que eu apelidei de “diálogos Yorgos”. Não bastasse o caráter bizarro das interações, Lanthimos consegue, de fato, entrar na mente do espectador, que, em meio ao absurdo, não sabe o que lhe aguarda. Claro, há de se destacar a capacidade de Lanthimos em dirigir atores, convencendo-os a abraçar suas peculiaridades sem concessões.

Naquele espaço caótico, quem manda é Teddy, o que é reforçado por contra-plongées nas cenas de “interrogatório” e pelo uso de uma trilha sonora operística e dissonante – se Teddy acredita na catástrofe, nada mais justo que incorporar elementos épicos à narrativa. Michelle reage como se estivesse diante de dois imbecis, sempre com cuidado; afinal, sua vida corre risco. Ao situar o filme num único ambiente, Lanthimos abraça, definitivamente, o suspense e a comédia, dando espaço para o elenco explorar as diferentes facetas de seus personagens – quanto mais próximos do eclipse lunar chegamos, mais intensas e definitivas as coisas ficam.

Teddy não é apenas um lunático (ou um homem à frente de seu tempo). Sua obsessão advém de dores do passado; dores causadas, a princípio, por Michelle e que envolvem sua mãe. Os flashbacks são retratados em preto e branco, o que denota cuidado, além de servir para incrementar a estranheza da obra. Don, interpretado por Aidan Delbis – um achado de Lanthimos -, é uma figura deprimida. Seu desalento é tanto, que ele, timidamente, expressa uma enorme vontade de sair da Terra, aceitando a constelação de Andrômeda como casa. Lanthimos vai nas profundezas de almas obscuras e encontra a humanidade que, antes, soava caricata. Michelle é uma mulher persuasiva e inteligente. É difícil não ficar do lado da engrenagem racional da história, mas o que é, de fato, racional no filme do “grego louco”?

O trabalho de Lanthimos é tão eficiente, que, próximos do fim, não fazemos ideia do que irá acontecer. A única certeza que eu tinha é que ele não optaria por “aquilo”. Sem maiores detalhes, a sensação causada pelo desfecho é, simultaneamente, de angústia e sossego – olhem o paradoxo aí. Lanthimos aponta para a disseminação de informações falsas, critica as pessoas por caírem na “instagramização” das notícias e demonstra preocupação com o poder dos atuais “donos do mundo”. Afinal, o ser humano está fadado a se transformar numa subespécie? 

Emma Stone e Jesse Plemons, colaboradores habituais de Lanthimos, se entregam de corpo e alma, oferecendo performances que transitam entre o caos, a força retórica e a loucura. Plemons tem crescido muito nos últimos anos e, ao lado do diretor grego, ele encontrou meios de trabalhar sua versatilidade. Stone não surpreende, mas merece inúmeros elogios por performar, essencialmente, com seu rosto e mudanças de entonação vocal. 

“Bugonia” é extraordinariamente estranho e divertido.

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