Em “Bronco Billy”, Clint Eastwood interpreta um caubói diferente do qual está habituado. Ao lado de seu grupo, ele leva as tradições do Velho Oeste pelos Estados Unidos, num show com direito a acrobacias em cima de um cavalo, tiros em pratos e arremesso de faca. Quando um dos integrantes questiona o atraso do salário, Billy, enfurecido, para o caminhão. Aquilo não é um trabalho, é um estilo de vida; aqueles não são seus empregados, são seus familiares. Ele não foge de suas obrigações, todavia, se entristece ao perceber que nem todos estão na mesma sintonia. “Vocês são os melhores peões da América, não se esqueçam”. Billy é um líder exigente e afável, respeitado por todos, que, por mais reclamações que façam, não conseguem abandonar o barco.
Em suma, a trupe é formada por ex-presidiários e alcóolatras, seres à margem da sociedade. Na tenda, com sua corda, Leonard não é um desertor do exército, mas um artista. O show representa o sonho de Billy, que trabalhou como sapateiro em Nova Jérsei até os 31 anos e sempre quis ser um caubói. “Eu sou quem quero ser”. Eles não precisam ser criminosos, podem ser algo a mais, podem alegrar as crianças e o povo desiludido que busca um bom entretenimento. Billy não é apenas um patrão, é o pai de pessoas abandonadas, descartadas por suas imperfeições. Essa é a verdadeira família, onde todos são as melhores versões de si. O show é também uma forma de mantê-los unidos, sentindo-se pertencentes e abraçados.
Eles se apresentam em orfanatos e hospitais, porque entendem o significado por trás de tais instituições. Billy não vai mudar o mundo, mas pode fazer uma criança sorrir – a adoração que os mais jovens sentem ao vê-lo é ressaltada a partir de um contra-plongée, que o coloca numa posição de imponência. Quando Big Eagle e Running Water, um casal indígena, anunciam que terão um bebê, o protagonista não titubeia: “É a melhor notícia que já recebi”. As interações entre os personagens, repletas de afeto e toques cômicos, são a alma do filme e o roteiro merece elogios por captar um alto grau de genuinidade.
Em uma das paradas, o grupo esbarra em Antoinette Lily, que acabara de se casar somente para garantir o dinheiro que o pai lhe deixou. Fria e antipática, ela é abandonada pelo marido, que não suporta passar uma noite ao seu lado e vai embora com todo o dinheiro. Sem opções, Lily é obrigada a acompanhar Billy, que, diante da dificuldade em encontrar uma parceira talentosa, a coloca no show. O caubói simpático e a donzela mesquinha dividem uma química hipnotizante, deixando o restante em segundo plano. Diferentemente dos novos colegas, Lily corre de si mesma, assumindo, de vez, uma persona asquerosa e pouco receptiva. “Não sei de onde você vem, mas não devem ter lhe dado muito amor quando era pequena”. Lily, até então, nunca tinha tido uma família; não conhecia nada além de pensamentos gananciosos e fúteis. Ela leva o protagonista à loucura, despertando nele raiva, paixão e desejo.
Na sequência mais pesada do filme, Lily é quase estuprada e salva por Billy. As sombras marcam o medo, a câmera agitada, os golpes que ele desfere nos agressores. Antes, o cineasta imprime um caos delicioso na briga no bar. Em meio à Nova Hollywood – que já estava em seus últimos respiros -, Clint Eastwood homenageia os mestres da Hollywood Clássica. O timing cômico, a camaradagem, as reviravoltas do roteiro e a relação conturbada entre Billy e Lily remetem aos cinemas de Howard Hawks e Frank Capra – destaque para “It Happened One Night”. Referências incorporadas a uma narrativa que usa o Velho Oeste como espaço de acolhimento e autodescoberta, subvertendo sua tradicional hostilidade.
Pela primeira vez, Lily estava feliz e, como Billy havia afirmado, ela saberia a hora perfeita de beijá-lo. Seu arco é conhecido e poderia soar forçado, no entanto, é tratado com cuidado e intimismo. O carinho que recebe após ser violentada é especial e a empatia geral não condizia com sua realidade. O desfecho é… bem, a família inteira está reunida. Clint Eastwood oferece uma performance divertidíssima, potencializada por seu carisma habitual. A predileção da fotografia por tons quentes e a trilha sonora delicada ajudam na fomentação do tom da obra.
“Bronco Billy” é um dos filmes mais pessoais e subestimados de um gênio da sétima arte.