Skip to main content

Um grupo de comediantes se reúne em um famoso Diner nova-iorquino. Eles não se encontravam há um tempo, conversam sobre suas carreiras e riem de Danny Rose, o famoso empresário dos rejeitados da Broadway.

Entre os seus agenciados, estão: um malabarista sem braço, um sujeito que cria pássaros pianistas, uma mulher que “toca copos” e um xilofonista cego.

“Eu conheço a melhor história sobre Danny Rose”, afirma um dos comediantes. A narração, por motivos óbvios, é abafada enquanto a trama se desenvolve, todavia, não deixa de ser essencial à narrativa, mantendo a atmosfera descontraída, comum a um bate-papo entre amigos e dando as informações necessárias ao espectador acerca do protagonista.

Lou Canova, um cantor ítalo-americano, está em plena decadência e recorre ao velho parceiro. O mundo do show-business está numa onda nostálgica e Danny Rose a aproveita para colocar seu cliente nos grandes palcos novamente. Lou é temperamental, tem problemas com álcool e com a balança. Seu estilo cafona é a marca de um cantor romântico que se apega a uma fama passageira que teve. Danny acumula diferentes funções a fim de mantê-lo na linha, sendo seu pai, irmão e melhor amigo.

O protagonista não se limita a manter relações meramente profissionais, seus artistas são sua família, pessoas pelas quais ele batalha, se esforça e torce genuinamente. O retorno financeiro pouco importa. Quando Lou diz que está com dificuldades para pagar a pensão, ele logo abre mão de sua comissão.

Danny não é incompetente, no entanto, sua personalidade acolhedora e sensível não é uma qualidade num meio que visa exclusivamente a lucros e fecha os olhos para a vulnerabilidade humana. Assim que seus clientes atingem o topo, outros agentes, submetidos à Broadway – ou seja, gananciosos e “espertos” -, os convencem, com suas retóricas preparadas, a largarem o protagonista, que fica apenas com os rejeitados.

Essa é a tônica de sua carreira, o que, se por um lado, é péssimo, por outro, pode ser visto como um diferencial. As decepções constantes e o contato com os mais necessitados afloraram sua empatia e o transformaram nessa lenda que não sai da boca de comediantes num Diner.

Lou faz um pedido especial ao empresário: ele deve buscar Tina, sua amante, caso contrário, terá a auto estima abalada. Nada é tão simples quanto parece. Chegando lá, ele se depara com a tal moça, cujos óculos escuros enfatizam sua natureza misteriosa e instável. Histérica, ela se recusa a acompanhar Danny, afirmando que Lou tem outra amante. “Ele é íntegro. Só trai uma de cada vez”.

Tina some e o protagonista a segue. A festa ao ar livre, a fartura, os rostos peculiares, o cimento… Danny parou num covil de mafiosos, onde é identificado como par romântico de Tina. Acontece que Johnny, um membro da família Corleone genérica, estava apaixonado pela moça e pede a cabeça do agente, num claro mal-entendido que ganha proporções grandiosas.

Ele foi apenas buscar a amante do amigo e, repentinamente, era o alvo principal da máfia. O teor cômico, que já havia sido estabelecido no início, cresce gradualmente, chegando ao ápice na medida em que as interações entre Tina e Danny se intensificam.

-Isto aqui é o brejo, onde os amigos do meu marido desovavam os corpos.

-Ótimo! Mostre-me todos os pontos de interesse cultural.

Eles precisam fugir e o protagonista é obrigado a deixar uma bela gorjeta.

“Por essa quantia a garçonete dormia comigo”.

Tina alega não sentir remorso por nada e Danny rebate:

-Sinto remorso o tempo todo, mesmo não tendo feito nada.

-Você acredita em Deus?

-Não, mas sinto remorso por isso.

Sua vida está em jogo e, ainda assim, se preocupa com o estado de Lou. Os cortes secos nos levam ao cantor, neurótico e completamente bêbado, como Danny havia previsto, o que também eleva a comicidade.

Postos numa situação de intimidade, o protagonista e Tina se afeiçoam um pelo outro. Ele a elogia, enxerga nela uma decoradora de sucesso e a desarma com o seu jeito inofensivo. Os largos óculos escuros são intimidadores e cobrem um rosto que esbanja incerteza. Tina foi criada num ambiente opressor, mas não é o que aparenta ser. Seu potencial, humano e profissional, foi retido por uma enganosa “dureza”.

Em determinado momento, um flashback é inserido, esclarecendo a melancolia escondida por Tina. Alguns dias atrás, ela induziu Lou a fazer certas mudanças, marcando um almoço com um agente renomado. Sim, ela sabotou a carreira daquele doce sujeito que a tocou e a fez enxergar as coisas por uma ótica mais leve.

Esse é o personagem mais simpático e adorável concebido por Woody Allen e a reação do ator/diretor ao descobrir a dupla traição é de partir o coração.

É o remorso que conduz o protagonista ao hospital para visitar Barney Dunn, o pior ventríloquo do mundo, agredido pelos mafiosos graças a uma falsa informação dada por Danny, que visava a proteção de seu, até então, grande amigo. É o remorso que transforma a vida de Tina, agora oficialmente com Lou, em um inferno. Percebemos o brilhantismo por trás de um roteiro quando conversas casuais ganham significado, amarrando pontas. A realidade é assim, as situações mais espontâneas e orgânicas são as mais reveladoras.

A filosofia de vida de Tina, segundo Danny, poderia ser um roteiro de um filme policial; em contrapartida, a sua, herdada de seu tio, é: aceitar, perdoar e amar. Durante esse diálogo, rimos desconcertadamente, subestimamos a força das palavras e somos pegos de surpresa com quinze minutos finais agridoces.

A refeição no dia de ação de graças é a reunião dos fracassados, de pessoas boas demais para a selva que habitam. A casa de Danny é apertada, precária e repleta de fotos que reafirmam seu desejo distante de ser bem-sucedido. O calor humano ali é contagiante e Tina aparece, desprendida das antigas convicções.

Allen tem um raro dom de arquitetar desfechos hipnotizantes e esse é um dos mais belos de sua filmografia.

A trilha sonora, apropriada para a comédia, se adapta, ditando o tom da obra do início ao fim.

A fotografia em preto e branco ajuda na fomentação de uma atmosfera nostálgica. As sombras servem ao “suspense” e às dúvidas sentidas pelos personagens, principalmente Tina.

Woody Allen merecia o Oscar de melhor roteiro original.

“Broadway Danny Rose” é uma de suas obras primas menos conhecidas.

O que você achou deste conteúdo?

Média da classificação / 5. Número de votos:

Nenhum voto até agora. Seja o primeiro a avaliar!