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Lançado em 1967, “Bonnie and Clyde” foi o primeiro grande marco da “Nova Hollywood”. Chega a ser curioso o fato dos personagens que dão nome ao título serem assaltantes de banco, pois, de certa forma, os cineastas deste icônico movimento “roubaram” o domínio que os grandes estúdios tinham sobre os filmes. Como não poderia ser diferente, as referências à “Nouvelle Vague” estão por aí. Bonnie e Clyde são uma mistura do conturbado triângulo amoroso de “Jules et Jim” e do protagonista de “Acossado”.

Os nomes nos créditos, grifados em vermelho, indicam que estamos prestes a assistir algo extremamente violento. Eles se encontram por acaso e se tornam parceiros no crime e no amor. Clyde está no ramo há algum tempo e assume seu ofício com orgulho: “Assaltamos bancos!”

Quando é agredido pelo funcionário de um mercado, o protagonista foge e fica espantado: “Ele tentou me matar. Por que fez isso? Não queria machucá-lo”. O período da Grande Depressão ficou marcado pela desesperança geral. As ruas vazias e os rostos acuados refletem a pobreza, a falta de oportunidades e a impressão de “terra de ninguém”. A intenção de Clyde ao roubar bancos, tidos na época como os grandes vilões, é sobreviver e garantir uma existência digna. Ele só usa a arma para intimidar e só dispara em casos extremos. O protagonista respeita as pessoas, se enxerga naqueles que lutam por justiça e passa a ser visto como uma espécie de mito pelo povo.

Bonnie, acostumada a uma vida inóspita, era garçonete. Clyde não precisa convencê-la a seguir o novo caminho; no minuto em que ela o conhece, seu destino já é traçado. Esses não são bandidos cruéis e frios que merecem tomar tiros à queima roupa; são apenas jovens que nasceram na época da desordem, da falência das instituições e da tentação pelo caminho mais fácil. Eles vão contra o sistema e o código de conduta de criminosos altamente requisitados; são heróis de uma geração que chegou chutando a porta dos estúdios. O olhar e a entonação vocal de Clyde denotam uma ingenuidade palpável. Ele gosta dos holofotes e pensa em construir uma família ao lado de Bonnie, que fica deslumbrada com a oportunidade de fugir da miséria cotidiana.

O roteiro, assinado por David Newman e Robert Benton, não para na caracterização empática dos “fora da lei” e confecciona um dos romances mais puros e complexos já postos em tela. O amor é instantâneo, poucas conexões são tão poderosas, no entanto, Clyde sofre de falta de libido – talvez por concentrá-la no trabalho, talvez por não ser bem resolvido com a própria sexualidade. Na primeira cena em que o casal se deita junto, o silêncio toma conta, ressaltando o desconforto do protagonista. Ele lembra ter dito que não era um “garanhão”, pede desculpas e Bonnie o abraça, deixando nítido que não será esse empecilho que os separará. Ela também tem os seus surtos e Clyde, em nenhum momento, levanta a voz, fazendo o possível para tranquilizá-la e atender aos seus pedidos, como, por exemplo, o de rever a mãe. A única situação em que Clyde opta pela violência é quando sua amada é humilhada por um policial – ali, vemos um animal defendendo seu território. Em um dos melhores momentos da carreira de Warren Beatty, o protagonista demonstra insegurança após terem finalmente transado. Bonnie aprova sua performance.

A presença de Buck, interpretado por Gene Hackman, irmão de Clyde, está dentro do contexto de humanização do delinquente. As interações entre os dois são repletas de afeto e ânimo, revelando, também, a máscara da masculinidade tóxica que o protagonista precisa vestir para esconder suas incertezas. Eles não têm pensamentos ruins ou impuros. Gene Wilder tem uma rápida participação e, numa das melhores sequência da obra, é capturado pela gangue. O que parecia ser um sequestro se transforma num bate papo descontraído, movido por piadas. “Não tenham medo. Afinal, vocês não são da lei nem nada assim. São gente como a gente. Só isso”.

Após um contratempo, Clyde é obrigado a matar um policial, acarretando uma busca desenfreada pela gangue. A estrutura de “road movie” confere um ritmo agradável ao filme. A claustrofobia dos carros e das casas, fechadas pelas cortinas, é contraposta pelos belos campos, onde o grupo respira e elabora novas possibilidades. A escuridão é acentuada na medida em que o perigo aumenta e, nesse sentido, existe um grande questionamento em torno do vazio dessa perseguição policial. Tudo isso por um casal que rouba bancos e que atirou em legítima defesa? A depressão era grande mesmo…

Arthur Penn retrata a violência de forma brutal e realista. Gradativamente, a câmera e a montagem também passam a emular tal brutalidade, a partir de movimentos instáveis e cortes abruptos. Poucos desfechos são tão secos, desesperançosos e bem trabalhados. Tela preta… não há nada mais a ser visto.

Warren Beatty e Faye Dunaway vivem o casal de assaltantes mais amado da sétima arte, combinando vitalidade, inocência, amor e coragem com uma química impressionante.

“Bonnie and Clyde” é uma obra prima definitiva na história do cinema.

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