A fama não é mentirosa: Billy mente compulsivamente. Seus pais o consideram um grande vagabundo que não cumpre com suas responsabilidades e que só pensa em vadiar. O protagonista trabalha numa funerária, onde tem a função de enviar calendários pelo correio, tarefa que ele simplesmente não realiza, embolsando o dinheiro destinado à distribuição. Poucos roteiros compreendem tão bem a frustração dos jovens. O que poderia ser o estudo de um personagem tedioso e irritante é, na verdade, o retrato de uma geração incompreendida. Billy engana a todos, incluindo duas garotas que acreditam estar comprometidas ao matrimônio. Ele desrespeita Shadrack, o patrão, comete pequenos delitos e é incapaz de manter uma relação razoável com os seus progenitores.
A abordagem do cineasta John Schlesinger contempla a angústia do protagonista, que, invariavelmente, fantasia com um universo particular, no qual é adorado pelas massas e admirado por todos que o subestimam. Lá, Billy é um líder, um escritor renomado e um homem agraciado por suas boas intenções. Ele pensa em se mudar para Londres e escrever roteiros para Danny Boon, um comediante, o que faz todo o sentido, afinal, seu principal alicerce é a sua imaginação. A pequena e destruída Yorkshire é o cenário perfeito para a desilusão juvenil. As pessoas dividem os mesmos objetivos, aderiram ao sistema industrial e não enxergam nada além da obviedade. O protagonista não se sente confortável na terra dos submissos, então burla as regras do caminho natural, mentindo para garotas conservadoras e adultos pragmáticos.
A montagem é inventiva ao inserir as fantasias de Billy e quebrá-las abruptamente, voltando à realidade. Os “balões”, que remetem a histórias em quadrinho, são uma forma brilhante de destacar seus pensamentos. A liberdade da câmera, a Freeze Frame e a trilha sonora são outros elementos fundamentais na confecção de uma narrativa empática ao seu “herói”. Em determinado momento, Billy inventa vozes e grita o nome de Shadrack, que surge atrás dele. A sutil panorâmica, que apresenta a situação completa ao espectador, é um exemplo do cuidado de Schlesinger com a comicidade. O plano aberto em que vemos o protagonista numa espécie de morro, como se caminhasse sobre as nuvens, é exuberante e capta brilhantemente sua personalidade.
Por que Billy opta sempre pela mentira? Seria apenas uma questão de “desencaixe” na sociedade? A casa apertada é o espaço perfeito para embates familiares, servindo também como contraponto para o mundo maravilhoso e vasto idealizado pelo jovem. Gradualmente, notamos que não existe diálogo ali. O pai se apropria do termo “gratidão”, prendendo o filho a coisas que não lhe interessam e rejeitando interações construtivas. Para ele, Billy é um vagabundo e ponto final. Ninguém suporta uma rotina de imposições e o tratamento dos pais, nesse caso, é um dos fatores primordiais para o descaso e a irresponsabilidade do protagonista. As mentiras surgem como uma maneira de sobreviver a essa prisão de obrigações e convenções sociais.
Por outro lado, e isso só se torna evidente com a presença de Liz, Billy não está tão disposto assim a ir para Londres e investir na carreira de roteirista. A cidade pequena, a família conturbada, os golpes no trabalho, as mentiras constantes, as diferentes noivas e a imaginação fértil formam uma zona de conforto. Essa não é a história de um garoto rebelde que desbrava tudo ao seu redor, mas de um jovem que aceita a própria imaturidade e adiciona temperos particulares ao tédio semanal. Ele gosta da ideia de fugir, todavia, se sente inseguro na estação de trem; amadurecer e buscar uma vocação exigem esforço e coragem. Billy conhece a opressão e não pretende se desapegar dela; não quer abandonar a certeza de algo que aprendeu a dominar, por mais absurdo que isso soe. A grande “tragédia” de “Billy Liar” é constatar que o protagonista não vai a lugar algum e que a marcha é o sintoma de um jovem acomodado, não de um contestador. “Um dia”, ele diz, sabendo, no fundo, que esse dia será eternamente procrastinado.
Liz, citada acima, é quem, de fato, irradia leveza. Seu espírito livre e o fato de ser interpretada por Julie Christie fazem da personagem uma figura hipnotizante. A cena em que Billy se abre para ela, expondo toda sua inocência sonhadora, é maravilhosa – a floresta escura, onde a verdade é dita e os segredos são abraçados. Ele adoraria ser esse cara, mas não tem forças para manter a honestidade. Liz, por sua vez, toma atitudes, ainda que, na maioria das vezes, impulsivas. A melhor sequência do filme, aquela que se passa numa boate, é marcada por encontros e desencontros muito bem armados, colocando as noivas de Billy frente a frente. Liz é quem o tira dali; é ela quem ele realmente ama.
Tom Courtenay imprime uma energia vibrante e foge de armadilhas que fariam do protagonista um ser intragável. Sua composição impressiona pela naturalidade e evita a caricatura. Billy é um ícone, um garoto engraçado e relacionável em suas contradições.
“Billy Liar”, um marco para a “British New Wave”, continua relevante e necessário.