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Assistir a “Jeremiah Johnson” é como descobrir um novo mundo. O protagonista, que dá nome ao título, é um homem que, cansado da vida em solo baixo, decide ser um montanhês. O silêncio é ambíguo, podendo representar um estado de rara plenitude ou o despertar do caos. Johnson, recém chegado, mal consegue pescar um peixe com suas mãos; sua trajetória é sobre ser devidamente engolido pelo novo habitat. Os planos gerais e o zoom out revelam a magnitude das paisagens, expondo o verdadeiro tamanho dos homens que ali habitam. 

Nas montanhas, as relações são passageiras e a solidão é um lema geral. Apegar-se às pessoas é um tratado de dor, já que, eventualmente, em meio ao silêncio, à natureza abaterá os entes queridos. Johnson ganha o respeito de seres de diferentes etnias e temperamentos. Sua voz e maneira de se portar transmitem a serenidade de um sujeito que cansou das incertezas urbanas. Em sua trajetória andarilha, o protagonista se depara com um garoto mudo, cuja mãe, em luto pela morte dos outros filhos e do marido, o entrega. A outra personagem que cruza seu caminho é uma indígena que ele “ganha” após agradar o chefe de uma tribo. Johnson não entende a relevância de certos códigos, o que gera momentos curiosos. Recusar um presente é uma ofensa gravíssima. Enquanto os indígenas celebram a cerimônia de casamento, Johnson nota o olhar triste de sua esposa, que, imersa nas tradições de seu povo, não pode se manifestar. 

Em um piscar de olhos, o protagonista se vê com uma família – é assim, sem maior racionalidade, que as coisas acontecem na natureza. Devido às barreiras físicas e do idioma, os três só se comunicam através de sinais e, principalmente, da expressividade de seus rostos. No início, o estranhamento impera; todavia, com o tempo, traços afetuosos surgem. A trilha sonora delicada, que caracteriza brilhantemente aquele espaço, a admiração do garoto, o trabalho em equipe e os sorrisos, potencializados por zooms, ressaltam que Johnson encontrou o que buscava: a plenitude máxima. O retorno aos primórdios é a única forma de entrar no estado de graça – ou seja, a involução da espécie vai ao encontro da paz. A luta com os lobos, destacada por cortes vorazes, apresenta o outro lado da moeda. É justamente quando o protagonista reencontra uma cavalaria americana que o caos se instaura, trazendo à tona o seu lado selvagem. Àquela altura, os compatriotas soam como estranhos. O diretor Sydney Pollack entende os mistérios daquele espaço. Os cortes em sequência, fechando o quadro num esqueleto, o silêncio e a introdução de uma trilha sonora enervante salientam que algo aconteceu.

O vazio pela morte do filho e da esposa está em seu rosto resignado, preso à escuridão. A jornada, então, passa a ser sobre vingança e sobrevivência – características, essencialmente, primitivas. Pollack passa a investir na violência e a montagem utiliza a sobreposição de imagens para reforçar o fato daquela ser uma batalha infinita, que só pode ser interrompida pela força interior do protagonista. Conhecido por matar indígenas, Johnson vira uma lenda entre os montanheses. Ele não tinha essa intenção, queria apenas abraçar as camadas mais puras de sua existência. Ser um montanhês, significa não saber em que mês está e perceber que está tudo bem, graças um simples esticar de braço. Pollack resgata a pureza dos ancestrais urbanos, oferecendo, ao espectador, um espetáculo visual e meditativo. “Eu já estive em cidades, Del”, diz Johnson, num tom definitivo, ao amigo que tenta convencê-lo a sair das montanhas. O que aconteceu nas cidades, nunca saberemos. 

O roteiro, assinado por Edward Anhalt e John Milius, estabelece uma poderosa mitologia em torno do protagonista, vivido por Robert Redford com a serenidade de um ator que não precisa falar para ser expressivo. “Jeremiah Johnson” é o retrato rebelde mais idílico possível.

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