Skip to main content

Em 1996, Paul Thomas Anderson dirigiu “Hard Eight”, sua estreia. Hoje, 29 anos depois, ele está no panteão dos maiores cineastas de todos os tempos. “Magnolia”, “Sangue Negro”, “Boogie Nights”, “Trama Fantasma” e “Licorice Pizza” dividem similaridades, mas são obras primas que deixam diferentes gostos na boca do espectador.

“Uma Batalha Após a Outra”, seu novo trabalho, está cercado de expectativa, principalmente por ter um orçamento de 130 milhões de dólares – recorde em sua carreira. Para os fãs de Anderson e da sétima arte, a notícia é boa: estamos diante de uma obra inimitável, um verdadeiro evento cinematográfico pensado por um diretor que toma riscos calculados. 

Em um contexto mais polarizado do que o nosso (isso mesmo), um grupo revolucionário chamado “French 75” luta contra um governo fascista, aliado de militares que, adoradores da ideia de “purificação racial”, passam os dias se livrando de imigrantes. Todos os revolucionários têm apelidos e existem códigos específicos para a comunicação; afinal, o perigo sempre os ronda. Bob Ferguson e Perfidia Beverly Hills, líderes do movimento, vivem uma relação que faz jus ao fervor da situação política nos Estados Unidos. Quando ela fica grávida, prioridades precisam ser repensadas, o que mexe com a estabilidade tempestuosa do casal. Perfidia acredita que foi destinada a coisas maiores, enquanto Bob, mais sereno e atento ao mundano, exige uma atenção a Willa, a recém nascida. Os militares, enfim, conseguem capturá-la, obrigando-a a entregar nomes de revolucionários e a assumir uma existência fantasmagórica, sem deixar rastros de vida. 

Passam-se 16 anos. Bob, ainda abalado pelo passado e com dificuldades de se encaixar no mundo contemporâneo, transformou-se numa espécie de “The Dude”, personagem principal de “The Big Lebowski”, dos irmãos Coen. Paranóico, Bob passa os dias bebendo e fumando, queimando neurônios, vestido com um roupão que não poderia ser mais apropriado. Willa, assim como a mãe, é uma jovem de personalidade forte. Há amor naquela relação, mas, também, uma profunda desconexão, decorrente da inércia do protagonista, que, repentinamente, se vê obrigado a retornar aos tempos de guerrilha. Os militares, guiados pelo coronel Steven J. Lockjaw, voltam à caça aos integrantes da “French 75”, mirando, especialmente, em Willa. A premissa de um pai indo atrás de sua filha, percorrendo um extenso caminho de incertezas, é característica dos Westerns. Anderson recorre ao clássico para comentar a polarização atual: a situação é tão retrógrada, que funciona no contexto do oeste selvagem. Não à toa, no fim, vamos do meio urbano, dominado pela escuridão e pela fumaça que salientam o caráter bélico e desesperançoso do país, para as vastas e áridas paisagens desérticas, onde carros assumem o lugar dos cavalos. “Uma Batalha Após a Outra” combina influências e sabores distintos; é épico em sua escala cênica, mas chega a conclusões bastante humanas e “simples”. Anderson quer reunir a família, dar um novo sentido à vida de seus personagens e explorar a força do amor de um pai por sua filha. Nesse sentido, é importante observar como Willa, na última cena, surge com um visual que remete às suas raízes revolucionárias, fechando um arco sobre a busca por seu espaço no universo.

Até os filmes mais enérgicos costumam tomar um tempo para assentar seus temas, ideias e as características dos personagens. Aqui, Anderson abre a narrativa como um trem avassalador e, em nenhum momento, freia suas intenções. O espectador capta as nuances daquele universo e conhece os personagens enquanto se delicia com sequências que combinam ação meticulosamente coreografada, um humor moldado por performances brilhantes e tiradas sagazes do roteiro e tensão, oriunda da harmonia absoluta entre montagem e trilha sonora. Anderson também inclui momentos de dramaticidade orgânica e, por vezes, investe numa mise en scéne “jazzística”, calcada na movimentação constante da câmera e de seus personagens, sempre em sintonia com a trilha sonora – seus travellings são de um perfeccionismo que só pode ser comparado ao de Martin Scorsese, uma de suas claras influências. Falando na trilha sonora, vale destacar que Jonny Greenwood, colaborador habitual de Anderson, nunca esteve tão inspirado. Para cada situação, há um tema sofisticado e apropriado. 

“Uma Batalha Após a Outra” atinge o raro feito de soar paradoxal em sua feitura, já que é o projeto mais ambicioso e palatável da carreira de Anderson. Os estímulos constantes, o caos, a grandiosidade íntima e as variadas texturas vão atrair públicos das mais diversas idades e é justamente essa amálgama que torna o filme tão impressionante – não era pra funcionar tanto. Leonardo DiCaprio chega ao seu ápice. O queridinho de Scorsese captura a energia revolucionária e a melancolia de um homem que gostaria de estar mais envolvido com o que acontece ao seu redor. Alinhado à proposta de Anderson, DiCaprio enche a tela de intensidade. Sua performance cômica é algo a ser apreciado – a frustração e o ódio por não se lembrar dos códigos são impagáveis. Sua química com Benicio del Toro, que está fantástico na pele do sossegado Sensei Sergio, é um dos pontos altos do filme. Chase Infiniti e Teyana Taylor são achados e é interessante notar como a performance de uma ressoa na da outra – ambas com uma força interna notável. Dito isso, o grande destaque é Sean Penn. Fazia tempo que eu não o via tão espetacular assim. Penn vive Steven J. Lockjaw, líder militar que incorpora as piores características possíveis em qualquer ser humano, com uma destreza que impede que o personagem caia no clichê ou na caricatura. Por mais odioso que seja, este é um homem solitário, quase digno de pena. Penn o caracteriza de maneira cartunesca, como um sujeito tosco em seus trejeitos, contradições, aspirações e libido incontrolável. 

“Uma Batalha Após a Outra” toca em vespeiros atuais e garante que o espectador saia da sessão com um sorriso estampado no rosto. É, muito provavelmente, até aqui, o filme da década.

O que você achou deste conteúdo?

Média da classificação / 5. Número de votos:

Nenhum voto até agora. Seja o primeiro a avaliar!