“Soylent Green” é uma distopia futurística que se passa em 2022, numa Nova Iorque poluída, miserável e superpopulosa. Fleischer trabalhou com os mais diversos gêneros e este é, provavelmente, o seu filme mais famoso. Por que? O final é icônico; um daqueles que é mencionado em diversas listas de principais plot twists.
O benefício da retrospectiva nos permite olhar para “Soylent Green” com uma ótica diferenciada; afinal, estamos em 2025. Fleischer e o roteirista, tendo como base o livro “Make Room! Make Room!”, de Harry Harrison, pintam um retrato caótico e pessimista do futuro que, para alguns, pode soar datado, mas que não deixa de ser pertinente e assustador.
As ruas escuras são o palco da desolação geral. A sensação é de que estamos em um lugar abandonado, um tanto moribundo. As pessoas se amontoam em escadas de prédios decadentes e na igreja, que virou uma espécie de acampamento. Os recursos naturais quase inexistem, o que abre caminho para a empresa Soylent dominar o fornecimento de alimentos de metade do mundo. O produto do momento é o Soylent Green, um tablete proteico feito com algas. Água, gelo, carne, frutas, vegetais e whisky são iguarias acessíveis somente aos abastados. Eis que, William R. Simonson, um dos homens mais poderosos da cidade, é morto. A cena levanta uma série de questões, já que o assassino e Simonson entram num consenso de que aquilo é o certo a se fazer, visando um bem maior.
O detetive Robert Thorn se veste como um escoteiro e está sempre suado – aqui, não há elegância. Ele aproveita o caso para pegar algumas das iguarias citadas acima para si, reagindo de forma orgástica ao se deparar com uma barra de sabão. A direção de arte é perfeita ao estabelecer um forte contraste entre os “casebres” e as residências dos ricos, marcadas por cores fortes, tecnologia e uma arquitetura inovadora. Cada residência dessa vem com uma mobília, no caso, uma mulher – isso mesmo, as mulheres são rebaixadas ao nível de objetos belos e fixos. Auxiliado por seu amigo Sol Roth, Thorn descobre que Simonson era um dos diretores da Soylent, o que torna tudo ainda mais nebuloso. O que aconteceu? O que ele descobriu? Sua consciência pesou? Em outra sequência assustadora, as pessoas, revoltadas pela falta de Soylent Green, são arrastadas por caminhões como se estivessem sendo trituradas.
A fotografia preenche a tela com luz e fumaça verde, ressaltando a poluição e o poder da empresa e de seu tecnológico produto perante à população. O verde também é pontuado pela direção de arte, que dá dicas de quem está por trás do crime. O guarda costas de Simonson vive numa casa que não faz jus à sua profissão. Ele tem uma “mobília” e, num enquadramento definitivo, a vemos com um vestido verde, próxima a objetos vermelhos e amarelos – as cores dos outros produtos da Soylent. Roth, que viveu o bastante para se lembrar vividamente do passado, não suporta o presente e, ao descobrir a verdade sobre o assassinato e a empresa, decide se suicidar. Porém, não estamos falando de um suicídio qualquer. Ele vai até um centro especializado no “assunto” e entra numa câmara tingida por sua cor favorita que apresenta imagens estonteantes da natureza, algo inimaginável naquele período, ao som de música clássica – está aí uma ideia que poderia ser aderida aos tempos atuais. As sombras e os espaços escuros permeiam a trajetória perigosa de Thorn, que luta contra o sistema. O roteiro toma extremo cuidado para deixar o espectador ansioso pela revelação, sem entregá-la antes da hora.
A sensação deixada pelo desfecho é de descrença no universo. A reação das pessoas e a convicção de que as coisas não mudarão chocam mais do que a revelação. Neste futuro distópico, o capitalismo avançou a um nível em que os seres humanos, literalmente, devoram a si mesmos. “Soylent Green são pessoas” é um grito de pavor que clama pela revolta de um povo que se acostumou a ser uma sub-espécie; uma espécie que regrediu tanto, que aderiu ao canibalismo. O momento ganha contornos simbólicos justamente por ocorrer na igreja, antes, um canto de esperança, agora, o palco definitivo da desilusão. Os mais poderosos, sedentos por dinheiro e domínio, usam os mais fracos em sua receita especial – algo deve suprir a escassez de algas. As grandes corporações, donas do mundo contemporâneo, estão tão distantes da Soylent? O ser humano, cada vez mais dependente e bitolado, tornou-se uma presa fácil. Charlton Heston funciona perfeitamente no papel de herói determinado e solitário. Sua presença é notável.
“Soylent Green” sempre será um filme importante e influente.