Em 1977, após ter sua propriedade confiscada por atraso no pagamento da hipoteca, Tony Kiritsis, sentindo-se humilhado e prejudicado, sequestrou Dick Hall, funcionário e filho do dono do banco, e amarrou um arame preso a uma espingarda em seu pescoço. Ao todo, os dois passaram 63 horas juntos.
Afastado dos grandes palcos desde 2018, Gus Van Sant retorna com tudo, narrando essa história com a vitalidade de um jovem e a humanidade que lhe é peculiar.
O nervosismo de Kiritsis, de imediato, estabelece uma atmosfera tensa. Sabemos que aquele homem planejou algo e não demora muito para que aquilo se transforme num circo à lá “Dog Day Afternoon” – não à toa, Al Pacino tem uma pequena participação no filme. Todavia, diferentemente do clássico de Sidney Lumet, “Dead Man’s Wire” se situa, na maior parte do tempo, na casa do sequestrador, que, com a vítima, aguarda por um pedido de desculpas do banco em rede nacional, além de aproveitar os 15 minutos de fama para expor seu descontentamento em relação ao sistema. Van Sant, interessado em entender o ponto de vista de Kiritsis, vai além do suspense, introduzindo um tom cômico que faz jus ao estilo do protagonista, que vai de 8 a 80 sem aviso prévio. Em uma das interações mais engraçadas, no caminho do banco até a casa, um padre tenta convencê-lo a abortar o plano.
Van Sant sabe que este é um jogo em que todos têm um interesse e a montagem apresenta o panorama completo. Os jornalistas correm atrás da bomba, os programas televisivos se deliciam com os números de audiência e a polícia tenta negociar com Kiritsis. Van Sant acerta ao oferecer ao espectador a visão da câmera jornalística e ao combinar imagens de reportagem com imagens de arquivo reais, conferindo um caráter “emergencial” à narrativa e ressaltando que aquilo, de fato, aconteceu. O trabalho de fotografia e as escolhas musicais são provas de que o cineasta é um fã da década que está retratando. Falando nas músicas, o rádio assume um papel importante na história, já que a única pessoa em quem Kiritsis confia é no radialista local, interpretado por Colman Domingo. Os interlocutores das mídias de massa são, para os mais humildes, ícones que triunfaram em meio às injustiças do mundo.
No centro da confusão, Kiritsis, como eu mencionei, transita entre emoções, indo do ódio e da raiva à tranquilidade e à felicidade por estar sendo escutado pelo tal radialista. “E você achou que eu não seria um bom anfitrião”, diz ele a Bill, após servi-lo um copo de leite. Por mais assustador que o caso seja, analisá-lo pragmaticamente seria um desserviço; afinal, não estamos falando de um bandido. Kiritsis é um sujeito comum; um trabalhador que aceita suas limitações financeiras. O que o levou a cometer um ato extremo? Os bancos e as grandes corporações não abrem concessões para agir em benefício próprio, principalmente contra pessoas sem recursos. Como os “homens pequenos” expõem a falência do sistema e as inconsistências que os transformam em formigas diante de tamanduás? Kiritsis, a fim de sobreviver e resistir, elaborou seu próprio holofote. O olhar empático para os dois personagens é um dos grandes baratos do filme – não é algo normalmente almejado ou alcançado.
Quando o protagonista assina o acordo, sabemos, pela disposição dos atores no quadro, que ele não sairá dali vitorioso. Para mim, que não conhecia a história, acompanhá-la foi um verdadeiro deleite e o desfecho não poderia ser mais satisfatório. Bill Skarsgard está fenomenal no papel principal. O ator sueco, conhecido por dar vida ao palhaço demoníaco Pennywise, combina vitalidade e vulnerabilidade, dominando a tela com seus trejeitos e sua intensidade vocal.
“Dead Man’s Wire” confirma que Gus Van Sant ainda tem muito a dizer.