Após uma carreira no Wrestling, com direito a uma passagem no Vale Tudo brasileiro, Mark Kerr, no fim da década de 90, dedicou-se ao MMA. Dirigido por Benny Safdie (seu primeiro projeto solo, sem o irmão Josh, que também lançará um filme este ano), “The Smashing Machine” vai na contramão da maioria das cinebiografias esportivas.
Aqueles que esperam ver Dwayne “The Rock” Johnson esmurrando seus oponentes, ficarão decepcionados. Safdie, com seu estilo naturalista, realiza um estudo das nuances que compõem a personalidade do protagonista. Uma das melhores cenas envolve Kerr explicando, cuidadosamente, a uma senhora o que é MMA.
Seu tamanho descomunal é proporcional ao tamanho de seu objetivo e reforça, também, seu compromisso com os fãs – vê-los e ouvi-los nas arenas é como um orgasmo. Existe um certo preconceito acerca dos lutadores, justamente por seus físicos “anormais”. Safdie foca no coração, não no ringue; está interessado no cotidiano, não nos momentos gloriosos. A imersão nos bastidores dos eventos amplia a perspectiva do espectador, que se vê diante da camaradagem e da empatia entre colegas de trabalho, não de bestas insensíveis que querem arrancar cabeças.
A relação de Kerr com Dawn Staples, sua esposa, exige mais do que qualquer luta. Em sua paixão desenfreada, ela atinge extremos, indo das notas mais harmônicas às mais desafinadas. Safdie capta tudo com uma crueza quase documental, movimentando a câmera na mão, optando por poucos planos abertos e disparando zooms com uma marca autoral muito potente. É fácil identificar quando o diretor ama seus personagens e este é o caso aqui. Safdie não simplesmente apresenta as interações entre o casal; ele nos convida a entender aquela dinâmica e as ânsias de cada um. Eles não precisam gritar para que a discussão fique intensa – as mudanças na entonação são sutis e poderosas. Dawn é a única que consegue tirar Kerr do sério e é a mulher que o faz parar numa loja, no Japão, para comprar um vaso. Ela é expansiva e está num constante duelo interno, sendo incapaz de perceber que, às vezes, seu marido precisa de espaço para se preparar para uma luta. Foi justamente essa insistência que ajudou o protagonista a se livrar de seu vício em opioide.
Kerr é dono de uma pureza quase ingênua. Após sua primeira derrota no Pride, sua reação é a de alguém que está conhecendo uma nova e desconfortável sensação. Kerr transmite serenidade e encanta por viver sua vida da forma mais honesta possível. Ao aceitar esse papel, Dwayne Johnson parece ter examinado a alma do biografado. No hospital, sabemos que ele está nervoso/desconfortável antes de chorar, graças à gesticulação “a mais” e aos risos enquanto fala. E, quando ele destrói a porta da sala, temos certeza de que Dawn tocou num vespeiro nebuloso. Johnson vai além da desconstrução de um estereótipo e da emulação de trejeitos, provando que, agora, está na direção correta. Sua química com Emily Blunt, que também está excelente, é contagiante e fundamental para o caráter dramático do filme.
Nas sequências de luta, Safdie nos insere no cerne da ação, com destaque para o design de som, que nos faz sentir cada golpe desferido como se fosse um tiro de canhão. Por outro lado, a trilha sonora jazzística quebra um pouco a atmosfera animalesca, o que reafirma o real interesse do cineasta. Eu não poderia deixar de citar a importante e competente participação de Ryan Bader, ex lutador do UFC, que interpreta Mark Coleman, melhor amigo e colega de ringue de Kerr.
“The Smashing Machine” marca as trajetórias de Benny Safdie e Dwayne Johnson no cinema e merece elogios por seu compromisso com a autenticidade.