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Em “Spring Breakers”, Harmony Korine alcança o raríssimo feito de transformar o “feio” em extraordinariamente belo. Não é exagero algum dizer que esse filmes está entre os cinco mais vistosos do século. Esteticamente, Korine parece ter se inspirado nos trabalhos mais recentes de Terrence Malick, conferindo contornos etéreos a uma narrativa que poderia ser simples e óbvia. Existe uma poesia por trás dos planos idealizados por um cineasta cujo intuito principal é contemplar a vida, os espaços e os rostos, e conectados por uma montagem que abusa de flashbacks e flashforwards. 

Presas em sua cidade natal, as garotas transitam entre a escola, compromissos banais e um pouco de diversão. A escuridão é notável; salienta o estado de espírito de jovens perdidas na idealização do mundo perfeito. O Spring Break (ou férias de primavera) é um momento de recesso no qual os adolescentes americanos vão para as praias e farreiam como se não houvesse amanhã, deixando para trás as incertezas do presente. Faith, Candy, Brit e Cotty, mesmo sem muitos recursos financeiros, dão um jeito (ilegalmente, vale ressaltar) de ir para a Flórida, onde o amanhã é apenas uma extensão do agora. Ao optar por um fade, a montagem reforça o caráter salvador e transcendental da viagem. A celebração juvenil; os corpos, a praia, o constante uso de câmera lenta, a música alta… a apreciação do vazio faz parte da trajetória adolescente e Korine pinta o retrato mais honesto possível sobre o momento em que sonhos e pesadelos caminham lado a lado; o momento em que tudo parece fácil.

Elas falam em “congelar o tempo” e numa viagem que irá traçar seus destinos, o que denota a total inexperiência de seres ainda embrionários e excitados por uma premissa irreal – aquilo é uma realidade paralela, não a vida real. O mundo gelado retorna quando as garotas são presas e, sem dinheiro para pagar a fiança, precisam passar alguns dias encarceradas. Faith, cujo nome conversa com sua busca constante pela fé, é a primeira a sentir que a situação mudou, o que é evidenciado por seu deslocamento nos enquadramentos. A fotografia não faz cerimônia para tingir a tela de azul, quando as sensações de inocência, melancolia e desalento surgem, e de vermelho, quando violência e desejo se tornam mais aparentes – tais cores são tratadas como símbolos essenciais.

Eis que aparece Alien, um gângster conhecido na região que se interessa pelas garotas e paga a fiança delas. “Não sou deste mundo”, afirma Alien, que pode ser descrito por seus dentes prateados, cama em formato de nave espacial e pilhas de dinheiro. Ele é um alienígena, não um ser humano; um homem que vendeu sua alma pelo sonho americano. A falta de compromisso, o crime e a ostentação levam ao abismo; as garotas, ingênuas e curiosas, terão que se desvencilhar do poder de sedução do vazio eterno. Alien é uma figura tão solitária e digna de pena, que, ao dizer que elas são suas almas gêmeas, eu não duvido de sua honestidade. O tamanho de sua mansão é equivalente ao de sua miséria emocional. Imaginem o seguinte cenário: três garotas com metralhadoras e máscaras “fofinhas”, um gângster tocando uma canção de Britney Spears num piano branco e, ao fundo, um pôr do sol “rosado”. Soa meio surreal e cafona, mas é, sem dúvida alguma, uma das sequências mais lindas e bem elaboradas dos últimos 20 anos. O balé bélico, a câmera lenta, o visual e a música delicada mascaram a brutalidade, colocando o espectador diante da perspectiva de quem admite e vive o inaceitável diariamente. Candy, Britt e Cotty (Faith voltou para casa) são seduzidas e se sentem protegidas ao lado de Alien. 

O design de som, invariavelmente, entre as transições, destaca o estrondo do disparo da arma, como se estivesse alertando o espectador dos perigos do caminho que as personagens estão cogitando trilhar. Quando Archie, o gângster rival, é apresentado, Korine fecha o quadro no rosto dos inimigos, fomentando uma rivalidade que será relevante na trama e que também é pontuada pelas diferentes cores que os cercam – Vermelho x Verde. O voice-over é fundamental na concepção da atmosfera etérea e da contradição entre o que é dito pelas garotas e o que vemos – o retrato perfeito da imaturidade juvenil. No fim, é sobre olhar para si e fugir do mantra de Alien: “Férias para sempre”. 

James Franco, numa performance magnética, domina a tela com seus trejeitos e linguajar convidativos. Franco traz uma vulnerabilidade inesperada ao seu personagem, tornando-o mais complexo do que prevíamos. 

“Spring Breakers” é a obra prima que cravou o nome de Harmony Korine como um dos cineastas mais distintos e autorais da contemporaneidade.

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