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Quando o nome de Virginia é citado, o diretor Raoul Walsh corta para um plano mais fechado, isolando os personagens no quadro. O que ela significa para o enfezado Biff Grimes? Por que ele fica tão animado ao receber um telefonema do assistente de Hugo Barnstead, que sofre com dores de dente (sim, o protagonista é dentista). Poucos filmes se beneficiam tanto da estrutura em flashback, mostrando apenas uma mínima camada do presente para, então, apresentar o cenário inteiro e garantir que os personagens sejam bem desenvolvidos. Virginia era a mulher que parava as ruas e que atraía assobios de homens embasbacados por sua beleza. Hugo sempre foi um homem de negócios e, ao longo dos anos, usou Biff de escada para alcançar seus principais objetivos. James Cagney, acostumado a interpretar figuras violentas e temidas, combina perfeitamente a sua habitual truculência com uma sensibilidade que o torna ingênuo. Sua reação ao finalmente sair com Virginia é a prova concreta de sua paixão genuína por alguém que está mais interessada no status de “ser cobiçada”. Biff não percebe o óbvio; está cego, pensando no encontro que marcou para o mês que vem. No parque, aguardando pela amada, o protagonista recebe a notícia de que ela e Hugo se casaram.

Amy é introduzida num encontro a dois, no qual Biff, enganado pelo “amigo”, é obrigado a vê-lo com Virginia. A diferença de tons dos figurinos das amigas é notável, servindo às suas caracterizações: Virginia, de branco, quer passar a ideia de pureza; enquanto Amy, com o uniforme escuro de enfermeira, tenta levantar a bandeira de mulher progressista. As reações de Biff ao escutar as ideias de seu par são impagáveis. Amy, tocada com a situação do protagonista, é quem o informa sobre o casamento “surpresa”. Naquele mesmo parque, os dois percebem que têm muito mais em comum do que imaginavam e que, diferentemente dos recém casados, eram empáticos e expunham vulnerabilidades. E, claro, Amy admite que a persona progressista era apenas uma fachada que criou para chamar a atenção. Walsh conduz a cena com o costumeiro brilhantismo, colocando-os no mesmo quadro, num plano fechado, apenas na hora do beijo.

Mais próximos do presente, percebemos que Virginia assumiu o papel de “artigo de luxo”, o que é salientado pela mansão em que vive, por sua fala resignada e pelas roupas que escondem o desânimo que sente ao dividir a vida com um sujeito tão vazio e falso. Hugo pregou diversas peças em Biff; no entanto, quem encontrou sua verdadeira face e a felicidade em estado pleno, foi o protagonista – aos trancos e barrancos, com dificuldades financeiras, ele pode enxergar a beleza de Amy e a bondade que reside em boa parte dos seres humanos. Ainda assim, como uma espécie de herança do pai, cuja reputação é péssima, Biff continua arranjando brigas e confusões – o olho roxo é quase uma marca de nascença. Falando no “velho Grimes”, há de se destacar a cena em que ele, no hospital, à beira da morte, aparece com o rosto parcialmente coberto pelas sombras; enquanto seu filho é marcado por uma luz intensa. A cada minuto, descobrimos uma nova pilantragem, pior que a anterior, de Hugo. A esse ponto, entendendo o rancor de Biff, só queremos que a montagem nos redirecione ao presente, para que possamos nos deliciar com a vingança do dentista “sádico”. Sem maiores detalhes, o filme termina numa bela nota, salientando o amadurecimento do protagonista, atento a canalhices e capaz de enxergar a doçura da esposa, ao mesmo tempo em que mantém sua essência briguenta – Amy o ama daquele jeito.

Além de James Cagney, Rita Hayworth, Olivia de Havilland e Jack Carson completam o elenco deste belo exemplar da antiga Hollywood. 

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