Nos últimos anos, Mark Waters tem se dedicado a produções pavorosas da Netflix que visam a um público que não tem interesse algum por cinema. Digo isso, pois “The House of Yes”, de 1997, é um trabalho inventivo e provocador. O vídeo em Super-8 confere, simultaneamente, intimidade e estranhamento, afinal, vemos uma criança fingindo ser Jackie Kennedy. No presente, Jackie-O (isso mesmo, a protagonista é aficionada pela viúva do ex-presidente americano) está ansiosa para receber Marty, seu irmão gêmeo. Ela retornou há poucos meses do hospital psiquiátrico e não demoramos a entender o porquê da internação. Seu comportamento flerta entre a histeria, a obsessão e a hiperatividade. Anthony, o irmão caçula, é um tanto infantilizado, o que fica evidente pela sua forma de se expressar e pelo colete à lá McLovin que veste. A mãe deles, em vez de transmitir tranquilidade e afeto, anda pelos cômodos como um fantasma que acredita na própria maldição.
Marty chega acompanhado de Lesly, sua noiva, pegando todos de surpresa, principalmente Jackie-O, cujo grito de espanto não poderia ser mais genuíno. A mansão antiga, a tempestade e a falta de luz são elementos importantes para a fomentação de uma atmosfera sinistra, que também serve ao humor ácido. Anthony fica encantado por Lesly e, na intenção de estabelecer algum diálogo, faz perguntas descabidas. Ambos são ingênuos, todavia, Anthony é naturalmente assim, enquanto Lesly só não está acostumada com certas malícias e escândalos. O verdadeiro hospício é a mansão, regida pela mãe, a doutora maluca que, por medo da solidão, fragiliza seus filhos ao extremo.
Marty não saiu de casa à toa. Seu suéter comum e a gravata são marcas de um rapaz que visa a normalidade. Nesse sentido, Lesly é o símbolo ideal de pureza e sanidade. Jackie-O, então, coloca em prática seu plano para separar o casal. Algumas mentiras aqui, uns comentários desagradáveis ali e a lembrança constante de que Lesly é uma jovem socialmente “nula” – a rainha dos donuts. Por que tanta crueldade? Por que ela precisa tanto do irmão gêmeo? É aí que o filme ganha seus contornos mais delicados, já que Jackie-O e Marty mantinham relações incestuosas. E, mais: a protagonista é apaixonada por ele a ponto de cometer um ato extremo para garantir sua exclusividade. O roteiro alcança o raro feito de aliar tensão, temas sombrios e um humor pouco convencional. As investidas de Anthony em Lesly são engraçadíssimas, justamente por sua falta de tato e do que é socialmente aceitável.
A montagem, as interações dinâmicas e a ambientação numa locação única garantem uma fluidez notável à narrativa. A câmera lenta é introduzida como um convite aos velhos tempos; a despedida dos irmãos que se amam. Sabemos aonde Waters quer chegar e não deixamos de comprar a ideia, pois, além de bizarra, esconde uma humanidade genuína. Marty foi o único a tomar uma atitude; o único que percebeu o absurdo. Jackie-O fantasia cenários, um grande amor e uma harmonia que condiz com a sanidade de uma jovem obcecada por uma célebre viúva. Sua doença é o próprio ambiente, que, por mais vasto que seja, não contempla as necessidades do amadurecimento humano. O mesmo serve para Anthony. E Lesly… bem, coitada de Lesly. Em determinado momento, Waters opta por close ups idênticos/espelhados de Jackie-O e Marty, realçando a intimidade e o aspecto perturbador daquela relação. Essa é a casa do sim, onde tudo é permitido e os valores estão invertidos. No entanto, não deixa de ser a casa do não, onde é proibido crescer e trilhar um caminho particular.
Sombrio até o fim, “The House of Yes” é o produto de uma época que se esvaiu. Somente Parker Posey seria capaz de interpretar uma personagem tão charmosa, cínica, perversa, ardilosa e frágil – com seus trejeitos e expressões voláteis, ela personifica todas as qualidades da obra. Mark Waters deveria rever sua filmografia e repensar o futuro de sua carreira…