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“Lola”, a estreia de Jacques Demy, reúne vários elementos que marcaram o cinema da Nouvelle Vague: a bela trilha sonora de Michel Legrand, a fotografia em preto e branco, o uso das ruas como cenário principal e um protagonista perdido. Em três dias de trabalho, Roland Cassard já se atrasou cinco vezes; não por desprezar o patrão ou algo do tipo, mas porque vive um período no qual nada o encanta. O vazio é tanto, que Cassard só enxerga a fuga como saída. Não importa para onde ou quanto tempo ficará fora, ele precisa se reconectar com a vida, com as pessoas e, quem sabe, encontrar alguma vocação. O protagonista, então, aceita uma proposta misteriosa que envolve Amsterdam, Johanesburgo e uma maleta. Em uma livraria, Cassard se depara com uma mãe e uma filha que buscam um dicionário. Cécile, a garota, remete ao seu grande e único amor, além de dividir o mesmo nome. A faísca reacendida faz com que ele as ajude, doando o seu dicionário.

Poucos minutos depois, adivinhem em quem Cassard esbarra: sim, na antiga Cécile, que, agora, dança num cabaré e atende pelo nome de Lola. Entre as colegas, ela fala sobre um cara que amou muito e a esperança de, um dia, reencontrá-lo. Interpretada por Anouk Aimée, Lola é uma das personagens mais adoráveis, lindas e doces da história da sétima arte. Seu sorriso e expressão facial realmente encantam, colocando-nos na posição de Cassard, que se vê entre o passado e o futuro; o amor e a fuga. “Você me dá uma razão para viver”, afirma o protagonista. Apesar da animação, Lola nunca o amou desta forma, senão apenas como amigo, o que tem o efeito equivalente ao de uma facada no peito. Cassard, percebendo as diferentes sintonias, muda de lugar na mesa, numa representação visual da falta de reciprocidade.

“Acho que sou a própria imagem do fracasso”. A desesperança corrói o coração do pobre coitado que entra em contato com as próprias emoções – talvez seja melhor viver num estado de constante alienação. A noite fica mágica quando se está apaixonado; o dia é cinzento quando a solidão se confirma. Lola, cujo ofício, maternidade prematura e mudança de nome denotam ingenuidade, não se vangloria por magoá-lo; pelo contrário, a flor proibida é capaz de sentir sua dor, afinal, também ama alguém que não está presente, no caso, um americano, o pai de seu filho. “Estou rindo porque ninguém me chama mais de Cécile” – ou seja, ninguém a conhece verdadeiramente.

Enquanto isso, a mãe da pequena Cécile prepara um jantar para Cassard, que se comprometeu a levar o dicionário pessoalmente. Ela perdeu seu marido na Segunda Guerra e fica lisonjeada com a gentileza do protagonista. Na idade das descobertas, a pequena Cécile se diverte com o simpático Frankie, um marinheiro americano e amigo/cliente de Lola. A câmera lenta ressalta um prazer desconhecido e inesquecível. A melancolia do roteiro é reforçada pelo fato de que, no fim, praticamente todos os personagens abandonam Nantes. “Já existe felicidade no simples fato de querer felicidade”. Demy arma o terreno para o desfecho desde o primeiro plano. Sua câmera está sempre em movimento, conversando com frequência nas quais os encontros e as surpresas ocorrem – o frenesi de um dia. “Só se ama uma vez. Já aconteceu comigo” e “Gostaria de dividir essa felicidade contigo, mas deixa para lá” são fragmentos que provam que este é, de fato, um dos filmes mais românticos já realizados.

Roland Cassard aparece novamente em “Os Guarda-Chuvas do Amor”, a obra prima máxima de Demy, e canta sobre a dor de um amor não correspondido.

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