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A rede separa o casal. O jogo de tênis é simbólico; evidencia quão estremecida está a relação e com qual responsável cada filho se identifica. Bernard é uma figura pretensiosa e arrogante que desconsidera pessoas que não leram os livros mais importantes de Charles Dickens ou desconhecem a obra de Godard. “Backhand com uma mão é elegante”, diz ele, repreendendo o professor de Frank. Sua feição e voz denotam um ar de superioridade que não conversa com a sua atual popularidade no mercado literário. Ao aceitar a guarda compartilhada dos filhos, Bernard afirma que conseguiu um apartamento no “filé da vizinhança”. Chegando lá, identificamos que a nova residência pode ser considerada, no máximo, um acém ignorado pelo mais esfomeado. Ele não pede por ajuda, não admite que ninguém quer publicar seu novo livro e usa a persona intelectual para esconder suas inseguranças em relação à carreira e ao fim do casamento.

Joan sempre foi subestimada pelo marido e, ao não acatar a uma mudança sugerida em seu novo texto, Bernard fica irritado; sente que perdeu controle sobre a esposa. Ela cansou do teste diário, de viver com um homem que precisa ser o centro das atenções e que trata todos ao seu redor de forma blasé. Joan é a força motriz do filme; é quem toma à frente da situação e decide dar um novo rumo à sua vida. Seus trabalhos passam a ser publicados e elogiados, constrangendo Bernard, que a tratava como uma aluna em estágio inicial. Ela começa a sair com Ivan, professor de tênis de Frank, caracterizado por Bernard como um filisteu, provando que, para ser feliz, precisava apenas de leveza e cumplicidade. Não é fácil ser solteira na sua idade; as mínimas imperfeições do corpo são notadas e qualquer elogio é muito bem-vindo. Joan nota que o ex-marido aparou a barba, o que salienta a intimidade dos anos juntos e o carinho que ainda nutre por Bernard.

Walt, um dos filhos, é uma versão fajuta e constrangedora do pai. Ele fala sobre clássicos do cinema e da literatura com suposta propriedade, todavia, nunca assistiu ou leu nenhuma das obras citadas. Sua retórica é ensaiada e decorada durante os jantares, enquanto Bernard, com seu ar professoral, disserta. Ao ser perguntado pela namorada sobre o desfecho de “A Metamorfose”, de Franz Kafka, ele é bastante profundo: “é muito kafkaniano”. Sério? Quem diria. Walt não liga para o amor, só pensa em sexo, apesar de ter problemas de ejaculação precoce. São as convenções sociais fomentadas no meio escolar; Walt está distante de sua versão mais genuína. Poucos personagens me irritam tanto, o que faz sentido, afinal, ele age como a “cópia” de um sujeito arrogante; logo, sua insegurança e indelicadeza são triplicadas e atingem pessoas que deveriam ser tratadas com cuidado. Por motivos óbvios, Walt toma as dores do pai e passa a desprezar a mãe. Seu pseudo-brilhantismo, desejo de ser admirado e artificialidade são sintetizados na famosa sequência em que ele, num show de talentos, apresenta “Hey You”, do Pink Floyd, como se fosse de autoria própria.

Por último, fechando a família em plena disfunção, temos Frank, um pré-adolescente que está na fase da “curiosidade excessiva”. A competitividade de Bernard corre em suas veias, no entanto, ele faz questão de dizer que é um filisteu e que se espelha em Ivan. Frank prefere a mãe, foge de casa, fala palavrões em abundância, experimenta diferentes tipos de bebidas alcóolicas e espalha sémen pela livraria da escola. Frank é quem mais sente a separação e suas atitudes são um reflexo desse baque. Lili é uma jovem sensual que aflora a fantasia de professor universitário de Bernard e o despertar sexual de Walt. Os planos em que os dois, paralisados, a observam são engraçadíssimos – dividem até o mesmo gosto por mulheres.

No terço final, o roteiro desfaz a imagem que tínhamos de Walt. Na conversa com o psicólogo, o adolescente é obrigado a relembrar bons momentos e, ao puxá-los da memória, só se lembra da mãe. Pela primeira vez, ele é honesto, demonstrando ser, também, atento às sutilezas da vida. Bernard não estava lá, era alheio à sua infância; foi Joan quem lhe proporcionou as risadas e as aventuras inesquecíveis. Walt, de imediato, sente falta daquela amizade e vai atrás de si, de consertar as coisas. O desfecho, além de justificar o título do filme, é lindíssimo.

Noah Baumbach adota uma abordagem intimista e crua, manuseando, por vezes, a câmera na mão e abusando de cortes secos. Na cena em que os pais informam a separação, Frank fica ao lado de Joan e Walt, de frente para Bernard – os “times” são estabelecidos sem alarde. As escolhas musicais conferem uma certa melancolia à narrativa e traduzem perfeitamente o estado de espírito dos personagens. A composição de Jeff Daniels é rígida. No momento em que vê seus livros na estante de Joan, sua expressão sofre uma leve alteração, quase como se estivesse num estado de transe, emocionado por saber que a antiga companheira ainda o admira. No seu primeiro papel de destaque, Jesse Eisenberg cria os maneirismos que o acompanham até hoje, o que não é uma crítica.

“The Squid and The Whale” foi o primeiro grande filme de Noah Baumbach e seu roteiro está entre os melhores da década de 2000.

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