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O antepenúltimo filme de Terence Davies parece não ter saído deste mundo. Poucos cineastas têm a ambição e a calma para realizar algo tão poético. “Sunset Song” narra a trajetória de Chris Guthrie, da infância à idade adulta. Escocesa e camponesa, ela é uma jovem inteligente e sonhadora, que caminha pela natureza falando sobre o amor. Ela costuma ler para a família e não esconde o desejo de ser professora. John, seu pai, é um tirano e, sempre que pode, castiga Will, o filho mais velho. Davies apresenta a experiência mais real e empática possível ao espectador; logo, se Will é chicoteado, sua câmera fica estática, sem pressa, observando cada movimento do rapaz e entendendo sua dor. “Será o que o Senhor Deus quiser, mulher”, afirma John para a esposa, antes de estuprá-la.

A doçura de Chris é, invariavelmente, testada, todavia, no fim, se sobressai. Cansada de humilhações, sua mãe envenena a si e aos recém-nascidos. Posteriormente, Will, seu grande companheiro, decide fugir da tirania e iniciar uma nova vida em Aberdeen. A protagonista é violada e Davies volta a apresentar suas credenciais, focando no estado catatônico de puro pânico da jovem. John sofre um derrame e, mesmo assim, também tenta molestar a filha, que se desvencilha e se livra de tal maldição ao vê-lo morto. A inocência se esvai, o tempo passa, mas sua pureza é intocável; capaz de mover montanhas e de mexer com corações adormecidos.

A direção de arte caracteriza a casa da família Guthrie como um ambiente opressivo e desprovido de qualquer cor marcante, fomentando um contraste importante com os vastos campos. Chris, agora, é uma mulher e decide, apesar dos traumas, continuar vivendo no mesmo lugar. Cada vez mais forte e determinada, a protagonista impressiona a todos e se apaixona por Ewan Tavendale. A troca de olhares é suficiente para captarmos a paixão. A casa, antes claustrofóbica, assume a condição de espaço seguro e acolhedor. A primeira cena romântica entre o casal, à luz de velas, é a prova de que Chris é uma figura transformadora e que Davies atinge a sofisticação sem esforço. Outro momento lindíssimo, é aquele no qual os dois, após o casamento, apagam as velas, abrem a porta e caminham em direção à neve.

“Sunset Song” não é um simples “coming of age” de época (início do século 20). Essa é a história de uma mulher que, diante das mais diversas adversidades, cresce, se fortalece e doa um pouco de seu brilho aos demais. Chris Guthrie é a heroína da vida real, um exemplo a ser admirado e seguido. O roteiro merece elogios por evitar clichês e Davies é hábil o bastante para não tornar as coisas melosas. A fim de expor a nova fase da protagonista, o cineasta realiza um movimento circular, iniciando com a saída de sua tia e terminando com a chegada de sua ajudante – rotação completa; mudança geral.

A Primeira Guerra Mundial bate às portas do casal e Ewan passa a ser taxado de covarde por não se alistar. Eles têm um filho, numa sequência que explora a dor e a felicidade do parto, e alcançam a plenitude. O derramamento de sangue é terrível, porém distante da tranquila realidade bucólica. “Os que não lutam para defender seu país devem ser expostos por aquilo que realmente são”, diz o Padre, a plenos pulmões, em seu sermão. A luz sobre seu corpo intensifica o discurso, colocando os “covardes” em maus lençóis – quase uma palavra divina. Ewan, então, se alista e deixa Chris. A tristeza é uma constante em sua existência; os olhos cheios de lágrimas machucam e ela precisa resistir. Em seu retorno, o marido surge transformado, quase como um animal selvagem. A princípio, apavorada, a protagonista não demora a se impor e deixar claro quem manda ali. O desfecho faz jus à personalidade de Chris e ao tom melancólico/poético da obra.

A magnitude alcançada em “Sunset Song” remete aos trabalhos de David Lean e Terrence Malick. Eu não me lembro de ter visto planos gerais tão suntuosos e delicados. O vento e o balançar das folhas são destacados, assim como os animais, as montanhas e qualquer particularidade daquela terra. Os quadros de Davies deveriam estar em museus e se confundem com a natureza da protagonista, conduzindo o espectador a um nível de serenidade e deslumbramento raríssimo. Esse é um dos vários fatores fascinantes do filme: grandioso em sua concepção, ele trata, essencialmente, sobre o amadurecimento de uma garota. As paisagens também são fundamentais para esclarecer a passagem do tempo, a partir das diferentes estações. Nos ambientes internos, Davies e o diretor de fotografia utilizam uma iluminação muito sensível, reforçada pelas velas e pelas janelas por onde a luz entra, garantindo uma autenticidade maior e mesclando, perfeitamente, entre romance e melancolia.

Agyness Deyn é uma revelação. A atriz atravessa um arco intenso com propriedade, adquirindo casca sem perder a doçura que lhe é peculiar.

“Sunset Song” é uma obra prima sob todas as perspectivas.

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