Caroline e Michael leem o testamento e os últimos pedidos da mãe, recém falecida. É impossível conhecer alguém por inteiro, mas eles não esperavam encontrar cartas apaixonadas e um diário com o maior segredo de Francesca. A leitura nos leva ao passado, quando Richard levou os filhos para uma viagem de quatro dias, deixando a esposa sozinha na fazenda, no Iowa. O foco no rosto da protagonista revela algo: a estabilidade familiar existe num nível superficial. Francesca, ao assumir o papel de dona de casa, deixou sonhos de lado e se manteve imóvel para que suas crianças pudessem andar. O pragmatismo pode ser confortável, e ela ama a família que constituiu. Dito isso, fica nítido que não há nada ali além de carinho e funções pré-estabelecidas.
Eis que, nesse período de solidão, Robert Kincaid, um fotógrafo aparentemente perdido, pede referências sobre uma ponte. O quadro mais fechado ressalta a química instantânea entre os dois e Francesca decide guiá-lo. O toque involuntário na perna desperta sensações desconhecidas e os olhares da protagonista variam entre a timidez, a culpa e o afeto. O julgamento é constante e, a fim de observá-lo escondida, ela fica imersa às sombras. Robert colhe algumas flores e Francesca, num impulso cômico, alerta que elas são venenosas. A magia está ali, naqueles sorrisos genuínos.
A protagonista, então, decide convidá-lo para jantar. Poucas interações são tão orgânicas e delicadas. Sentados à cabeceira, os dois mantêm uma distância. Ela fala que ter algo fixo é reconfortante, todavia, desvia o olhar ao perceber que talvez esteja “passando do ponto”. Iowa não foi o que Francesca sonhou na infância e Robert sabe o que isso significa. As flores e os espaços ensolarados formam uma atmosfera sensível e poética. A tensão sexual é real, notável quando ele se voluntaria para ralar cenouras e quando ela sente as gotas do chuveiro que caíram sobre o corpo do fotógrafo pingando em seus braços.
A princípio, Eastwood posiciona a câmera longe da ação, reforçando a condição de intruso do espectador. Robert registra a eternidade e aquele momento, sem dúvida alguma, ficará marcado para sempre. Não há nada de errado; são adultos conversando e dividindo intimidades. Francesca gostava de ser professora, mas teve que abandonar o ofício para dar atenção aos filhos. “Não há uma moral imposta. É da maneira que deve ser. É lindo”, diz Robert, referindo-se à África. São as nuances que fazem de “As Pontes de Madison” um filme extraordinário e essa fala não poderia ser mais apropriada.
Vale a pena ignorar a perfeição momentânea? O que isso provaria? Que somos capazes de evitar sentimentos? Afinal, qual o valor da fidelidade divorciada da felicidade? Quanto mais fascinante a relação fica, mais nervosismo e ânimo Francesca demonstra. Estamos falando de um dia, não de meses ou anos. Essa não é uma conexão comum; sua raridade está na naturalidade dos diálogos e das reações físicas que denotam um profundo envolvimento. O amor não se torna mais poderoso com o tempo. Basta um olhar para ter certeza de que aquela pessoa é diferente das outras. É bom ficar desconcertada e sem graça; Francesca não experimentava essa sensação há décadas. Estar vivo é uma dádiva e o matrimônio não pode ser o cemitério da liberdade.
Diferentemente da protagonista, Robert é um espírito livre, que vive rodando desacompanhado por diferentes países. A luz baixa em casa destaca, ao mesmo tempo, a melancolia inerente àquela relação e a tranquilidade de quatro dias inigualáveis. As fusões suaves marcam uma narrativa obcecada pela pureza do amor. A dança é belíssima e desperta uma enorme insegurança em Francesca. “Eu agia como outra mulher. Contudo, nunca antes fora tanto eu mesma”. Ela tem medo de ser somente mais uma das amantes rotineiras do fotógrafo – na verdade, sente o fardo do sonho estar acabando.
“Não quero precisar de você. Porque não posso ter você”. Robert é um sujeito extremamente gentil e educado. Ele sabe que a amada tem raízes estabelecidas e, por mais que queira levá-la para suas aventuras, sabe que não seria justo colocá-la numa encruzilhada. “Algumas pessoas buscam isso a vida toda e nunca encontram. Outras nem acham que exista”. O romance impossível é o mais hipnotizante e Eastwood realizou uma obra incrivelmente tocante e sutil. Não precisamos de muito para entender que aquele é o ápice da existência humana. “Essa certeza só ocorre uma vez na vida”, afirma Robert, no seu último contato com Francesca.
Richard e os filhos retornam e, com eles, o padrão e a postura já conhecida. Eastwood atinge o seu auge como cineasta na sequência da chuva. A água simboliza a dor e as lágrimas retidas. Ele pendura a corrente dada por ela no retrovisor interno e aguarda. O close up de Francesca e o plano-detalhe de sua mão na maçaneta salientam sua angústia. O sinal abre e Robert só liga o carro ao ter a convicção de que sua grande paixão durou apenas quatro dias. O roteiro não cria vilões. Richard é um homem simpático, dedicado a cuidar da esposa. No presente, os filhos percebem que estavam longe de conhecerem a própria mãe e que o mito da família americana perfeita é uma farsa. A admiração não diminui, pelo contrário, só aumenta; afinal, ela destinou sua vida a eles.
Meryl Streep e Clint Eastwood estão em estado de graça. A química entre os dois transcende a tela e encanta até os mais céticos e amargos. Eastwood nunca esteve tão sereno, doce e carinhoso. Streep é uma força da natureza, não precisa de muito para oferecer uma performance complexa e comovente.
“As Pontes de Madison” talvez seja a principal obra de um dos maiores cineastas da história da sétima arte.