Red Stovall tem a grande oportunidade de sua vida: tocar no Grand Ole Opry, um importante festival de música country, em Nashville. O show não é garantido, ele precisa ser aprovado na audição antes. A poeira, a secura da terra e a mesa pequena simbolizam o estado de uma família que não almeja nada além da sobrevivência. Hoss, sobrinho do protagonista, quer ser alguém e nutre uma admiração profunda pelo tio. Ele, então, é convidado para acompanhá-lo nessa jornada e conduzir o carro pelas estradas norte-americanas. A estrutura de Road Movie, quando bem utilizada, facilita o estreitamento de laços.
Red é um homem infeliz e frustrado que desconta suas angústias na bebida. Ele evita falar sobre sua saúde debilitada e esconde o verdadeiro propósito da viagem. Seu único companheiro é o violão; juntos, compuseram algumas belas canções que ninguém conhece. Red sofre de tuberculose e não planeja passar seus últimos dias num sanatório. Em Nashville, o protagonista busca a eternidade, a chance de finalmente ser reconhecido por sua arte. Assim como seu sobrinho, ele quer ser alguém. Ao tirar Hoss de casa, Red tem a intenção de iniciá-lo no universo adulto e de, quem sabe, passar o bastão. Nesse sentido, uma das melhores sequências é aquela em que a dupla vai a um prostíbulo, onde o garoto tem a sua primeira experiência com uma mulher.
Por outro lado, a trajetória nos mostra que Hoss não está ali somente para aprender, mas para cuidar do tio, que, invariavelmente, se mete em confusões. Ele sempre o observa, seja para admirá-lo, seja para garantir sua segurança. Hoss é quem o livra das maiores furadas, incluindo uma fuga da prisão e o roubo de galinhas. As posições se invertem, a troca é constante e o respeito é mútuo. A Grande Depressão foi um período de desesperança absoluta. Red é mais um dos sonhadores em busca da chance de ser lembrado antes de ir embora.
A fotografia opta por um forte contraste. A leveza das interações, a estrada para a “terra prometida” e as situações cômicas são pontuadas pelas belas paisagens e pelo céu aberto; a conjuntura do povo norte-americano, a alma atormentada do protagonista, sua condição moribunda e a impotência de Hoss são reforçadas pela escuridão absoluta e pelo precioso jogo de sombras. O amor é uma cicatriz em seu peito. Em determinado momento, Red fala sobre Mary, sua grande paixão. Ele não poupa palavras, admite ser um cretino e, ao ser perguntado pelo sobrinho se chegou a tentar visitar sua filha, é melancolicamente enfático: “Não, ela está melhor sem saber sobre mim. Mary estava certa em voltar para o marido. O que diabos eu tinha para oferecer à criança?”
Gradativamente, a viagem ganha contornos mais intimistas. Red quer se reconciliar consigo e Hoss é a peça-chave para reconectá-lo com a própria humanidade. A morte é o caminho natural para uma existência de tantos equívocos e abusos. Ele não quer adiar o inevitável, quer apenas provar que, apesar de tudo, tem algo valioso a apresentar – o esquecimento é a sua tragédia e o desfecho não poderia ser mais belo e satisfatório. O filme é repleto de sequências engraçadíssimas, como, por exemplo, aquela em que Hoss precisa ajudar o tio a escapar de um touro furioso. O policial, ao perceber a inabilidade de Red para dirigir, prefere que a lei seja infringida: “Deixe o garoto dirigir”. Marlena, uma jovem que cola na dupla, parece ter saído do filme “Nashville”, de Robert Altman. Ela desperta a raiva constante no protagonista e a sua reação ao vê-la escondida no porta-malas é impagável.
Clint Eastwood não faz alarde para expor sua maestria. Quando Red e Hoss invadem um jogo de pôquer e pegam o dinheiro de um sujeito que lhes devia uma alta quantia, o cineasta fecha o quadro para potencializar a tensão. Depois, a fim de salientar a humilhação geral, ele usa um plano-conjunto do quinteto de paspalhos. Os close-ups, na tão aguardada audição na rádio, são definitivos – sabemos o que irá acontecer. Como ator, Eastwood destila seu charme particular, transmitindo também uma intensa vulnerabilidade. Ele canta e toca violão com propriedade – e a canção principal é excelente. Na pele de Hoss, Kyle Eastwood, filho do astro, atravessa um arco significativo. Os traços de maturidade são visíveis em sua voz e determinação perante situações adversas.
“Honkytonk Man” evidencia o brilhantismo de Clint Eastwood, cuja filmografia precisa ser revisitada.