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Inspirado na estrutura narrativa de “Rashomon”, de Akira Kurosawa, “Monster” desafia o senso de julgamento do espectador, que, ao subir dos créditos, se vê abalado. Saori é uma mãe viúva cujo cotidiano pacato e repetitivo ressalta sua solidão. Ela ama Minato, seu filho, e faz o possível (e o impossível) para protegê-lo e garantir seu bem-estar. Após os primeiros dias de aula, ele passa a demonstrar um comportamento estranho e apresenta lesões corporais. Segundo os relatos do garoto, o agressor é o seu professor, Hori. Nas reuniões escolares, a diretora e os demais responsáveis não conseguem agir como seres humanos minimamente normais. Os pedidos de desculpa são artificiais e não há qualquer tipo de diálogo com o intuito de solucionar o ocorrido.

Saori, que, a princípio, era uma mulher tranquila e alegre, é emocionalmente sugada, sendo obrigada a adotar uma postura rígida e cerebral, o que é ressaltado pela mudança na sua expressão e em seu figurino – mais sóbrio, menos leve. A passividade dos educadores e a audácia de Hori são revoltantes, nos levando a apontar o dedo para o monstro e a considerar aquele caso encerrado. “Seu comportamento é típico de mães solteiras”. Pois bem, após diversas acusações e ações legais, o professor é expulso da escola e exposto em todos os meios de comunicação.

Essa é a perspectiva de uma mãe apavorada, disposta a qualquer coisa para amparar seu filho, visivelmente abalado. Kore-Eda, então, nos coloca em contato com o universo de Hori, que, na verdade, é um homem simples e adorável. Ele ama sua namorada e se preocupa com todos os alunos, dando atenção, inclusive, a detalhes que a maioria ignora. Chegando na sala, o professor se depara com Minato descontrolado e, ao tentar acalmá-lo, acerta um tapa em seu nariz. O plano-detalhe das gotas de sangue é definitivo: Hori será linchado. “O que realmente aconteceu não importa”, afirma a diretora, que está ali somente para garantir a boa reputação do colégio – no processo, algumas peças cairão e Hori, infelizmente, estava presente na hora errada, no momento errado.

As reuniões, observadas anteriormente pela perspectiva de Saori, ganham contrastes mais complexos, se provando verdadeiras aulas de teatro, nas quais os responsáveis decoram falas e mantêm uma postura irretocável. Hori não está ali para se defender, mas para se sacrificar por um “bem maior”. É importante reforçar que, nesse segmento, Kore-Eda nos conduz a entender que Minato é uma criança dissimulada, que planeja seus jogos e que faz bullying com Yori. Hori é uma figura vulnerável, o que é salientado pela dificuldade que tem em sorrir e pela presença de peixes em sua residência – animais que remetem a uma certa fragilidade. A intenção de se livrar dos peixes está ligada a uma tentativa de se adaptar à sociedade, de rejeitar a própria natureza.

Por último, somos colocados sob o ponto de vista das crianças. Minato é um garoto confuso e introspectivo que, sem uma figura paterna, encontra dificuldades para se relacionar e estabelecer laços verdadeiros. Yori, que era tido como um personagem um tanto sinistro, demonstra ser um garoto extremamente doce e meigo. Seu pai o maltrata e não tem dúvidas de que seu filho padece de alguma doença. A resignação de Yori frente ao bullying que sofre na escola é um reflexo do que acontece em sua casa. A revolta de Minato, antes incompreensível, que levou ao acidental tapa de Hori, era um protesto em defesa de Yori. Ambos dividiam dilemas similares, assim como suas visões sobre o mundo em que viviam. Eles iniciam uma amizade tocante, retratada por Kore-Eda da maneira mais sensível e bela possível. O plano em que os dois andam de bicicleta e a câmera fica na altura das flores é extraordinário – a natureza infantil, inocente e pura. Falando na natureza, ela é o pano de fundo para todas as aventuras entre os amigos.

A pressão dos colegas leva Minato a ignorar e, às vezes, até a agredir Yori, o que nos direciona a conclusão de que o monstro do título não é um personagem específico, mas a sociedade que acusa sem ter certeza e que impõe comportamentos animalescos aos mais indefesos. A frase “quem é o monstro?”, repetida algumas vezes ao longo da trama, é uma brincadeira inventada por Yori…

Com um desfecho simbólico, “Monster” deixa o espectador em dúvida se deve rir ou chorar. A montagem é espetacular nas transições e no fechamento dos segmentos – ficamos ansiosos para o que “vem por aí”. O roteiro é maduro e delicado o suficiente para combinar gêneros, refletir sobre a sociedade contemporânea e fomentar uma relação tão poderosa, que pode ser analisada por mais de uma ótica. Kore-Eda não cai na armadilha de “simplesmente” repetir sequências, mostrando aquilo que vimos e o que não vimos por ângulos reveladores, conferindo uma complexidade maior aos seus personagens.
O elenco é excelente, no entanto, as crianças roubam o show.

“Monster” é um filme ambicioso e que atinge o êxito esperado.

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