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“Jules et Jim” reúne todas as características que fizeram da Nouvelle Vague um dos movimentos mais influentes da história do cinema. Os personagens são jovens escritores boêmios que perambulam por Paris, dividem personalidades distintas e sempre estão juntos.

“Não tenho sorte com as parisienses”, afirma Jules, um austríaco introvertido e romântico. Jim, por sua vez, coleciona pequenos romances e evita compromissos. Os primeiros minutos do filme são tomados por uma energia contagiante, fugindo de qualquer senso de preocupação. Truffaut contempla o espírito jovial e leve a partir de uma narrativa inventiva. As rápidas panorâmicas, a narração frenética, os tons claros, os ambientes abertos, a trilha sonora lúdica e os travellings elegantes são um verdadeiro deleite.

Os cortes em sequência ressaltam a importância de Catherine, que fecha um triângulo de pontas cortantes. A fim de destacar a conexão entre ela e Jules, a montagem mantém a tela preta, salvo em relação ao espaço ocupado pelos dois. “Essa não, Jim. Certo?”, diz o austríaco ao amigo. Catherine é uma figura hipnotizante, do tipo que decide as regras do jogo e que não faz esforço para conquistar aquilo que deseja. A cena na qual ela, repentinamente, se atira nas águas do Rio Sena é um prenúncio de seu caráter imprevisível e dominador.

No litoral francês, o trio caminha de mãos dadas, visita a praia, veste roupas brancas e anda de bicicleta. Os planos gerais captam as belas paisagens naturais e a música exalta o estado em que os personagens se encontram. A atenção de Truffaut ao rosto de Catherine se estende ao uso de freeze frames, que, literalmente, congelam sua imagem.

Jules, com o seu ímpeto romântico, já pensa no casamento e Jim levanta uma questão importante: “ela é feita para ter marido e filho? Temo que nunca seja feliz nesta terra. É uma aparição para todos e talvez não mulher de um só”. Catherine não aparece no encontro que tinham planejado e Truffaut brinca com a razão de aspecto (leia-se, dimensão da tela), a diminuindo, salientando que Jim também está apaixonado.

Poucos dias antes da Primeira Guerra Mundial começar, Jules se casa com a amada. Ele e Jim são convocados para defender seus respectivos países. O embate bélico serve como metáfora para o que viria a se tornar a relação entre os amigos. Não, eles não assumem uma inimizade, pelo contrário. O carinho incorruptível segue lá, no entanto, assim como os soldados que sofrem com os horrores da Guerra, a dupla não será mais a mesma após se deparar com a versão completa de Catherine.

Jules se mudou com a sua família para uma área rural da Alemanha e quando Jim o visita, tudo parece normal – a posição deles no quadro nos dá essa impressão. O francês chega a admitir que a vitória na Guerra não significava nada perto daquilo que o austríaco havia conquistado. Todavia, Jules, desiludido, confessa que Catherine sofre de uma certa bipolaridade e que o trai constantemente. É triste ver aquele romântico idealizador sem o brilho habitual. Ele não pensa em desistir da esposa e está disposto, inclusive, a ignorar a falta de fidelidade, contanto que ela não o abandone.

Truffaut apresenta o esfacelamento da inocência, colocando, no centro, uma mulher, um anjo do caos. Jim não a esqueceu e Jules, notando o afeto mútuo, implora para que o amigo fique com ela, assim, ainda a teria por perto. Jules é um jovem passional; sua mente concebe cenários, cria pedestais e não aceita outras realidades.

A situação inusitada é traduzida pela fotografia, que investe na presença de uma vigorosa neblina e que, invariavelmente, relaciona os personagens às sombras. As condições estabelecidas satisfazem os amigos, no entanto, o mesmo não pode ser dito sobre Catherine. Ela seduz Jules, provocando uma forte dubiedade em Jim, que sente ciúmes e raiva do amigo, porém não sabe se tem o direito de transparecer tais emoções. Diferentemente do austríaco, o francês é racional, não suporta a desordem e os constantes sumiços de Catherine, que é contra a estabilidade; sempre que as coisas estão tranquilas, ela inventa uma forma de desestabilizar o ambiente. Sua visão acerca dos relacionamentos é distorcida e teatral, tendo, no sofrimento, o seu cerne: “quando você parar, eu começarei”.

Jim não quer fazer parte do circo e recorre a Gilberte, sua “namorada” de outras épocas. Ele passa a valorizar o compromisso e o conforto da previsibilidade cotidiana. As chantagens emocionais de Catherine funcionavam com Jules, mas não com Jim, que, a fim de acertar seus passos, estremece um laço que parecia inabalável.

Eles queriam inventar o amor, mas pioneiros não podem ser egoístas. Ela quis adaptá-lo, ele quis trazer sua alegria e o que sobrou foi angústia. Truffaut subverte as expectativas, realizando uma obra profundamente romântica na medida em que enfatiza que o amor é uma ideia pura demais para se considerar viável na vida de um casal. O máximo que os seres humanos atingem são os momentos inesquecíveis e a segurança de uma existência pacata. Na prática, o romance está fadado à tragédia ou à infelicidade. Com a mesma intensidade, o cineasta passeia entre a juventude e a idade adulta, deixando os sonhos, a liberdade, a euforia e a irreverência pelo caminho.

Catherine não aceita outro papel a não ser a de regente da peça; sem seus peões milimetricamente posicionados, ela toma uma atitude drástica.

Oskar Werner e Henri Serre encarnam sujeitos adoráveis que sentem o peso de suas trajetórias. A amizade que os atores retratam é uma das mais especiais já postas em tela.

Jeanne Moreau faz jus a força da natureza a qual interpreta, impressionando pelas bruscas mudanças no comportamento.

“Jules et Jim” é um espetáculo.

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