“Into The Abyss” é um filme triste em absolutamente todos os detalhes.
Werner Herzog, que sempre expôs seus pensamentos e filosofias, surge mais acuado, percebendo que diante do que estamos assistindo, sua presença é “insignificante”.
Os entrevistados não poderiam ter sido melhor escolhidos e o diretor sabe exatamente como conduzi-los. Sua câmera não aponta para rostos, mas para almas destroçadas, mergulhadas em um abismo irremediável.
O corredor da morte gera controvérsias ainda hoje. Herzog trata o assunto com uma humanidade rara, afirmando sua posição, porém respeitando todos os sentimentos e histórias. Ele entende a complexidade do assunto e a transporta para o seu filme de maneira delicada e avassaladora.
Em 2001, Michael Perry e Jason Burkett, mataram Sandra Stoler, seu filho, Aaron e um amigo deste, a fim de roubar um carro de luxo.
O primeiro foi mandado para o corredor da morte, enquanto o segundo foi sentenciado à prisão perpétua.
Os depoimentos e reportagens deixam nítidas a crueldade e desumanidade do ato.
Esse é o primeiro questionamento de Herzog: como alguém é capaz de fazer algo assim? Ele nunca pergunta isso diretamente, contudo, as imagens e a impactante trilha sonora são autossuficientes.
O diretor respeita essa dor através de entrevistas intimistas. O irmão do amigo de Aaron chora copiosamente, porque sabe que não foi o melhor exemplo. O sentimento de culpa é evidente e acaba se misturando com uma dor incontrolável, o que torna a cena ainda mais difícil de se assistir. Lisa, filha de Sandra e irmã de Aaron tem mais tempo e desenvolve seu luto de forma mais elaborada.
Suas palavras são amorosas e trágicas. Sua vida era linda e, repentinamente, se transformou em uma tortuosa depressão, que a prendeu em casa por quatro anos.
Herzog é contra a pena de morte, mas não esconde o que aconteceu e apresenta as sequelas. Temos os dois lados da moeda, o que é essencial para a experiência do espectador, que é tomado por um ódio descomunal e depois repensa o que julgava ser o correto.
Logo no início, vemos um plano repleto de lápides. A vida é o nosso bem mais valioso. É justo arrancá-la? Isso mudará o que já foi feito?
O padre observa a natureza e afirma que não há nada mais belo do que os pequenos rastros de vida, seja lá quais forem.
Herzog não tenta nos provar nada, apenas filma os assassinos e faz perguntas diretas e pessoais. Ele os trata como seres humanos, demonstra uma atenção que provavelmente nenhum deles havia recebido antes e ganha o respeito dos condenados.
Perry e Burkett eram de Conroe, uma pequena cidade nos Estados Unidos. O diretor entrevista algumas pessoas próximas aos dois e o que podemos perceber é que aquela região havia sérios problemas. Todos são ignorantes, problemáticos e miseráveis. Um deles, inclusive, admite ter sido alfabetizado tardiamente, depoimento este que comove Herzog. Acima do convívio local, estão os pais e os de ambos são figuras distantes.
O de Burkett, também estava preso e dá uma das declarações mais belas e doídas que já vi.
Sua sentença é consideravelmente alta e ele parece ser um homem razoável e sensato.
Delbert admite os erros, se considera um fracasso, se culpa inteiramente e vislumbra como teria sido sua vida se tivesse optado pelo certo, com direito a detalhes sutis e sensíveis, que somente um pai carinhoso daria.
Jason, assim como Michael, afirma que é inocente, isso, porém, não vem ao caso. Ele é um jovem visivelmente perdido, que dá indícios de humanidade quando fala sobre a esposa. São palavras de um homem apaixonado e o mesmo pode ser dito dela, que relata o primeiro encontro com brilho nos olhos.
Michael parece um garoto qualquer. Herzog pergunta sobre o seu futuro próximo, sabe as horas de “elevar o clima” e acaba extraindo do depoimento histórias humanas. Ele é consciente, entende o que a prisão significa e tenta se manter são. Os planos fechados enfatizam seu medo e os olhares não conseguem esconder o vazio de seu fim.
Herzog, não se enganem, não exime estes jovens que precisam pagar pelo que fizeram, entretanto, enxerga a humanidade reprimida e nos empresta esse olhar. É impossível ouvir as entrevistas e torcer pela aplicação da pena capital.
No entanto, a fala mais marcante é, sem dúvida alguma, a de Fred Allen, antigo capitão da polícia, responsável pelas execuções. Ele explica lentamente o processo, que começa bem cedo e é repleto de interações íntimas.
Você conversa com uma pessoa, serve sua comida, horas depois a amarra e finalmente recolhe o corpo. Não é algo saudável e sua feição denota puro sofrimento. Allen não aguentou e pediu demissão. Seus relatos são tão honestos e detalhados que chegam a machucar. É impossível viver assim. Herzog
adiciona mais um ponto de vista, nenhum homem deve ser obrigado a realizar esse tipo de tarefa.
Todos os entrevistados citam Deus e seus planos, o que acaba sendo mais um detalhe triste. Aqui, Ele não representa a esperança, mas a falta de crença em si mesmo. O sinal não veio e a vida se foi.
A última imagem é simbólica: a esposa de Jason está grávida – vida, o bem mais valioso.
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