Nós já vimos garotas indo da infância para a adolescência, no entanto, normalmente, os coadjuvantes cumprem somente uma função periférica.
Após ser promovido, Ben e sua família se mudam para Nova Jersey. Margaret entra em pânico, mas rapidamente encontra novas amigas. Nancy, a líder do quarteto, influencia as demais com seus anseios e espírito competitivo. As regras estabelecidas pelo grupo são tão tolas, que só poderiam sair da mente de garotas de onze anos. Margaret entra no jogo e o seu desconforto ao pedir um sutiã para a mãe é palpável. Elas não têm seios, porém fazem um ritual diário para que cresçam o mais rápido possível. Ao olharem um livro de biologia, uma das garotas faz uma observação sobre um certo órgão masculino: “parece um dedão”.
A menstruação não é um simples acontecimento, é a transição direta, sem escalas, para a idade adulta. Margaret e Janie decidem comprar tampões, na torcida para serem atendidas por uma senhora, o que não acontece. A situação é desesperadora a ponto da protagonista pegar uma bala só para distrair a atenção do jovem no caixa. O mais fascinante nessa cena não é o fato das amigas terem comprado os tampões, mas de passarem por isso juntas, dividindo a mesma apreensão e euforia. Em alguns anos, elas se lembrarão daquele momento com um sorriso no rosto, sabendo que foi importante para estreitar os laços.
Quando Nancy avisa que menstruou, o mundo de Margaret desaba. Aos onze anos, essas garotas não só querem tudo, mas querem dar um valor inestimável a tudo. Esse é um dos grandes charmes do roteiro, que compreende a mente juvenil e estabelece relações críveis. A mais fascinante, sem dúvida alguma, é entre Margaret e Deus. Ela deseja uma série de coisas, como, por exemplo, uma boa vida em Nova Jersey, menstruar, ter seios e que o tempo passe rápido. Ela também conversa com Deus, chegando a duvidar de sua existência. Quanto mais
Margaret sofre e entende que está passando por uma fase natural, mais saudável essa relação fica. No fim, pela primeira vez, a protagonista agradece a Deus, sendo, na verdade, uma trégua consigo. Margaret enfrenta um dilema religioso: sua mãe é católica e seu pai, judeu. Eles não são praticantes, nem impõem suas crenças. Ainda assim, ela quer se decidir e vai a diferentes templos, concluindo, então, que, além de não fazerem sentido algum, as religiões servem de campo para brigas inúteis – como na política. Seu Deus é particular, é a sua consciência.
Laura é maior que todas as colegas. Por que ela sofre bullying então? Margaret vai na onda de Nancy. A precocidade é desejável até ser atingida. Laura não tinha amigos, justamente por ter tudo aquilo que Margaret queria.
Eu falei no início do texto sobre o espaço conferido aos coadjuvantes. Barbara não é apenas a mãe da protagonista. Claro, a relação entre as duas é um dos pontos altos do filme, repleta de afeto e situações simples e tocantes, no entanto, seu papel não é reduzido à função materna. Barbara é uma mulher madura e compreensiva, que ama o marido e abdica, temporariamente, de sua grande paixão – a pintura – pela estabilidade familiar. Ela quer passar mais tempo com a filha, ajudá-la na adaptação e fazer de tudo para que a casa esteja em ordem quando seu marido chegar do trabalho. Seu esforço para aprender a cozinhar e o cuidado que tem para não deixar Margaret envergonhada são admiráveis. Barbara foi rejeitada pelos pais por ter se casado com um judeu e usa essa dor como combustível na criação de sua filha. Ela não guarda rancor, está aberta a segundas chances.
Também temos Sylvia, a avó da protagonista, que se sente abandonada após a mudança da família. No telefone, não existem conversas protocolares, seu ânimo é contagiante e é ela quem propõe uma festa do pijama para Margaret. Esse é o retrato de uma senhora tendo que se adaptar a uma nova realidade. Sylvia encontra um novo conforto, busca a felicidade.
Kelly Fremon Craig, que dirigiu o ótimo “The Edge Of Seventeen”, sabe conduzir esse tipo de obra. A cineasta dá espaço para interações orgânicas e para o desenvolvimento de seus personagens sem se intrometer muito. O plongée, utilizado no primeiro pedido de Margaret a Deus, é simbólico, assim como a posição vulnerável em que ela se encontra no momento de maior descrença.
A fotografia, através de tons fortes e da presença marcante do sol, e a direção de arte, focando, principalmente, no azul claro e no amarelo, mantêm uma atmosfera leve e pura do início ao fim. A nova casa, de certa forma, conversa com as três personagens – é bonita, tem potencial, mas está um pouco bagunçada e sem móveis. Eventualmente, tudo se acerta.
A montagem apresenta um excelente timing cômico. As garotas se arrumam para uma festa incrível e o corte seco nos leva a um silêncio desconfortável, quebrando a expectativa em torno do evento.
Abby Ryder Fortson percorre um arco intenso e encanta o espectador com sua expressividade. Entretanto, o grande destaque é Rachel McAdams, que tinha a difícil missão de interpretar uma mãe perfeitamente normal; empática e insegura. Seus projetos ficam em segundo plano, mas estão ali, em seu rosto.
Bonito e sensível, “Are You There God? It’s Me, Margaret.” é mais uma prova de que 2023 foi um grande ano para o cinema.