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“Disobedience” começa com o sermão de um rabino. Anjos representam a pureza, bestas seguem seus instintos e os humanos têm a liberdade de escolha. Em meio às palavras, ele acaba morrendo.

Ronit, que é fotógrafa e vive em Nova Iorque, retorna à sua cidade natal para se despedir de seu pai. Os cortes secos reforçam o impacto da notícia e também o vazio de sua vida. Ela se surpreende ao descobrir que Esti e Dovid, seus únicos amigos de infância, se casaram. A verdade é que a sua presença não é muito bem quista. Diferentemente do que o rabino havia dito em seu último sermão, a comunidade judaica não abre concessões; existe uma forma de falar, de se vestir e de agir.

Todas as mulheres devem se casar a fim de evitar a solidão. Ronit fugiu, saiu desse ninho cercado por barras de ferro e não abaixa a cabeça quando percebe que está sendo criticada. Esti é a maior prova de que uma vida baseada na tradição é infeliz e letárgica. Suas roupas pretas ou cinzas combinam com sua palidez e o sorriso que esforça para manter perante os demais. Ela costuma ficar quieta, afinal, aderiu às convenções, todavia, perto da protagonista, se sente à vontade para dizer certas verdades. “A mulher que se casa perde seu nome, perde parte da própria história”. Dessa forma, Esti afirma que deixou a versão mais honesta de si para trás.

Ela não concorda com Ronit à toa. No passado, as duas viveram um romance e, desde então, não se apaixonaram por outras pessoas. Foi Esti quem convidou a protagonista para a homenagem ao seu pai. A comunidade é pega de surpresa, principalmente Dovid, que sabe o que aquele reencontro significa, porém não pode se exaltar, pois está sendo preparado para ser o próximo rabino.

Esti foi obrigada a se casar e Dovid era a opção mais conveniente. Quando transam, melhor dizendo, quando chega a hora de copular, eles tiram suas roupas lentamente, sem nenhum tipo de excitação e impressionam pela mecanização dos movimentos.

As trocas de olhares são suficientemente poderosas para compreendermos os anseios de Esti e Ronit. O diretor Sebastián Lelio confia nos rostos das atrizes para contar essa história e acerta ao optar pela abordagem mais sóbria possível. Desejo, medo, prazer, ironia, tristeza, dúvida… está tudo ali, nas expressões das personagens. A cena de sexo não é gratuita, pelo contrário, é fundamental ao expor o aprisionamento de Esti e o amor que elas evitaram durante anos. Intimidade e ansiedade se misturam numa sequência que preza pela honestidade – diferente de tudo que acontece nessa comunidade.

Em determinado momento, Lelio sintetiza a natureza do romance. As duas caminham pela cidade ensolarada, que representa o estado de espírito delas, no entanto, antes de se beijarem, viram em um beco.

A felicidade e a liberdade são proibidas, não podem passar por cima de dogmas antiquados. Após a intensa cena de sexo, Esti volta para casa, rejeita a “investida” do marido e fica de costas para ele. Dovid tenta ser a personificação da bondade e da compreensão, todavia, fecha os olhos para a óbvia melancolia de sua esposa. Ele não é tão tapado quanto parece, está sempre raciocinando e sabe que a história de Esti e Ronit não terminou.

Dovid não precisa ser a personificação de nada, já que é naturalmente empático. O esforço excessivo o transforma quase numa caricatura.

Na sinagoga, os sermões bastam, em casa, não. Ele não diferencia seus papéis, levando o tom superior à sua residência. É fácil amar um rabino, amar um homem é diferente. Isso também serve para a relação da protagonista com seu pai, adorado pela comunidade.
A fotografia em tons frios é essencial para a concepção de uma atmosfera rígida e opressiva, assim como a direção de arte, que evita qualquer tipo de cor marcante.

As xarás, Rachel Weisz e Rachel McAdams, carregam o filme na força de seus olhares. A química entre as atrizes é formidável. Perto de outras pessoas, elas mascaram suas emoções e, mesmo assim, é possível notar a paixão e a tensão sexual no ar. A leveza da obra está em suas interações mais soltas e genuínas.

Ainda que peque em seu desfecho, um tanto melodramático, “Disobedience” merece elogios por explorar um poderoso romance “na era medieval”, evitando verbalizações desnecessárias.

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