“McCabe & Mrs. Miller” é um filme silencioso e triste. Homens agem como homens, mulheres agem como mulheres e a tragédia reside na impossibilidade de demonstrarem algo diferente.
Em uma pequena cidade no velho oeste, John McCabe surge como uma figura distinta – um homem elegante e imponente. Os demais são fracassados, que passam os dias em saloons bebendo e comendo. Ele destoa, é rapidamente respeitado e percebe que pode se dar bem por ali.
Logo de cara, Altman cria uma atmosfera soturna. O caminho de McCabe nos apresenta as paisagens gélidas, melancólicas e silenciosas da tal cidade. Não há nada aparente, nenhum movimento, as pessoas estão em seus estabelecimentos ou casas. Mesmo juntas estão completamente sozinhas.
Os homens agem por necessidade, pelo medo que sentem de um ser mais poderosos. Não existe honestidade.
A trilha sonora de Leonard Cohen é simplesmente deslumbrante. Um complemento perfeito ao ambiente contemplativo idealizado pelo diretor.
McCabe abre uma casa de jogos e apostas, com um pequeno bordel e começa a lucrar.
Eis que surge Mrs. Miller e tumultua o ambiente. Ela é linda, encantadora, chique, tem personalidade e não se intimida facilmente. Sua presença é impactante e o fato dela ser uma prostituta não faz qualquer diferença. Aos nossos olhos, ela é adorável.
Mrs. Miller propõe fazer uma parceria com McCabe, que a princípio a desdenha, mas rapidamente é convencido.
O estabelecimento mequetrefe do protagonista, se transforma em um bordel de luxo, com direito a casa de banho e regalias. O negócio dá super certo e chama atenção de empresários.
O que mais me interessou foi a relação entre os protagonistas. O roteiro os apresenta com muita propriedade, os aproxima e os expõe.
Todas as mulheres aqui são prostitutas, todas estão dispostas a venderem seus corpos por alguns trocados. Sexo é apenas trabalho e amor é besteira. Elas são, resignadamente, meros objetos sexuais.
Mrs. Miller tem classe, cobra preços maiores, mas está totalmente integrada àquele meio.
A protagonista enxerga tudo como um negócio, sentimentos são deixados de lado, em uma sociedade que pré-define o que cada um deve ser.
McCabe é um homem, tem que manter sua imponência, deve se embriagar diariamente, tratar as mulheres com desdém e não pode tomar banho. Ele tenta seguir o manual, mas a chegada de Mrs. Miller altera tudo.
De repente, ele não é tão inteligente, nem tão imponente e é mais frágil do que pensávamos.
McCabe encontra na protagonista o que nunca tinha ouvido falar: o amor. No primeiro encontro entre os dois, ele tenta manter a pose, mas Mrs. Miller o desmonta inteiramente. É assim que McCabe se sente ao seu lado. Ele nunca diz isso, porém só pelo olhar, sabemos que a acha linda e única. Quando ela está com um cliente, sua feição não mostra contentamento pelo dinheiro, mas tristeza, por não ser ele lá em cima.
McCabe não é imponente e nunca matou ninguém, apenas tentava sobreviver. Mrs. Miller o mostrou que a vida poderia ser mais do que uma fachada. No fundo, o cowboy era sensível, ingênuo e frágil – um homem que adoraria fugir dali e viver um romance.
Com Mrs. Miller não é diferente. Ela também aderiu a uma persona bem rígida e provavelmente nunca sairia dela. Quando faz sexo, a primeira coisa que deve aparecer é o dinheiro, uma reafirmação do vazio daquela experiência. Mrs. Miller é a primeira a perceber que McCabe não é o que pensam. Ela nota sua vulnerabilidade e também se apaixona. Nas cenas em que estão juntos, a protagonista luta para manter sua rigidez, mas às vezes é honesta e demonstra uma doçura apaixonante. Quando McCabe é ameaçado por grandes empresários, ela chora, finge que é pelo estabelecimento, mas não é. Esse sentimento proibido fica no ar, Altman cultiva o amor puro dos protagonistas através de close-ups reveladores. Suas feições demonstram uma vontade enorme, uma tristeza desoladora, porque sabem que nunca alcançarão o que está tão perto.
A cena em que McCabe se declara é uma das mais honestas e belas que já assisti. Ele não consegue olhar em sua direção, pois não entende muito bem o que sente e diz mesmo assim. Mrs. Miller fica emocionada e o abraça, pela primeira vez, sem cobrar.
Surgem uns acionistas poderosos com uma proposta pelo estabelecimento, mas McCabe a recusa. Os valores são ótimos, porém o protagonista prefere reafirmar seu poder nas redondezas. Seu jeito prepotente e incontornável incomoda os acionistas, que enviam um sujeito para resolver a situação.
Altman nos prepara para um final trágico, contempla a paisagem solitária e mostra que homens agem como homens. Aqueles que saudaram McCabe e se intimidavam com a sua presença, agora mudam de lado, porque o medo não está mais no mesmo lugar.
A tragédia é construída nas entrelinhas; nos olhares e na covardia.
A sequência final é uma aula de direção. Altman utiliza planos abertos e foca nos grandes espaços vazios, que expõe a solidão e o medo que tomavam conta daquela cidade. McCabe não teria ninguém ao seu lado, mesmo se gritasse por socorro.
O silêncio e a neve amplificam a atmosfera tensa, que chega a um clímax sem alarde algum. Não faria sentido. A igreja começa a pegar fogo e, agora sim, todos se aproximam e tentam resolver a situação.
Eles apagam o incêndio e comemoram, enquanto isso, McCabe consegue matar os três capangas,mas se arrasta pela neve e não suporta os ferimentos.
É uma morte minimalista e não poderia ser diferente. Aqui as coisas acontecem assim. Altman foge do oeste selvagem e cria um silencioso, movido apenas pelo medo e pelo status. Não temos areia, nem duelos, nem gritarias, apenas neve, frio e pessoas tentando sobreviver.
O universo é conduzido por demonstrações de poder, quem está por baixo será eliminado.
O que aconteceria se McCabe tivesse aceitado a oferta?
O medo dá espaço ao pragmatismo. As ameaças são silenciosas, mas bem diretas. No meio desse ambiente movido por nada especial, havia um amor, pessoas que entendiam que a vida poderia ser algo a mais.
A igreja no fundo simboliza a esperança e a paz, que de certa forma era a única coisa que aquelas pessoas tinham. O contraste entre a alegria e a violência é importante para enfatizar a indiferença e a hipocrisia.
Em uma cama ao lado, Mrs. Miller chora, pois sabe que ali perto, seu amor estava morto.
Além da fotografia magistral, a reconstituição de época é fenomenal, desde o figurino até os cenários e as locações, que realçam a escuridão daquele lugar.
Warren Beatty e Julie Christie estão igualmente fantásticos. São interpretações rígidas, que transmitem, através de um controle notável, uma genuinidade tocante. Ambos escondem sentimentos poderosos nos olhares e nos gestos. As pequenas alterações vocais também são fundamentais para o arco dos personagens.
“McCabe & Mrs. Miller” é uma obra prima. Um filme trágico, comovente e belíssimo.
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