“Licorice Pizza” começa com um plano longuíssimo. Gary está na fila para tirar uma foto para o anuário e Alana surge oferecendo um espelho. Ele se encanta instantaneamente e destila todo o seu charme juvenil. Ela é mais velha e dá muita ênfase para esse detalhe. A câmera segue os dois e após poucos segundos, podemos notar que a química ali é fortíssima. Gary a convida para sair e Alana acaba aceitando. Eles vão a um restaurante e mais uma vez, Paul Thomas Anderson orquestra tudo de forma magistral. O nervosismo é notável, mas há muita fluidez aqui, os diálogos são honestos e permitem que entendamos quem são aquelas pessoas.
Alana tem um trabalho detestável, não possui grandes ambições, tem irmãs e é de uma família judia. Já Gary, coleciona pequenos papéis em filmes, tem bons contatos e se vê alcançando a fama em pouco tempo. Em determinado momento, ela se rebaixa e diz que em breve ele terá uma vida luxuosa e a esquecerá. Gary responde falando que isso não seria possível. Os rostos dizem muito, são jovens em estágios diferentes, mas que demonstram a mesma genuinidade nas reações. Ambos percebem o que aquilo significa, porém não fazem ideia da magnitude e da importância. O que eles encontraram é raro.
Eu não consigo me lembrar de nenhum romance que inicie de forma tão espetacular – direta sem ser apressada, tecnicamente impecável e complexa no que se diz ao amor.
O que Paul Thomas Anderson faz é apontar para as inseguranças, os medos e a imaturidade dos protagonistas, que pensam “grande demais” e não percebem que estão apenas perdendo tempo. O roteiro é fantástico ao criar “distrações”, que ajudam na compreensão do ambiente e acabam roubando a cena. Podemos ver este filme por diversas óticas, mas todas caminham para o mesmo lugar: o amadurecimento e o relacionamento entre Gary e Alana.
Eles viram grandes parceiros, se encontram e desencontram, tem o final merecido e a jornada é emocionante.
A protagonista sente claramente a necessidade de se envolver com alguém famoso, que a liberte daquele meio social e abra portas para um novo mundo. Alana não vê isso em Gary, é diferente, é algo que ela nunca havia sentido; elogios descabidos, de repente eram genuínos e isso era especial. Mas perceba, que quando Alana conhece Lance há um outro tipo de brilho, uma chance de fugir, um status. Ela deixa o realismo de lado e veste uma máscara, que no fim das contas acaba caindo em uma cena engraçadíssima. Gary os vê juntos, conhece a dor e tenta escondê-la, mas não consegue.
A partir daí, o que temos é uma verdadeira gangorra, em que um dos protagonistas aproveita oportunidades, enquanto o outro sofre silenciosamente.
Eles viram sócios em um negócio de colchões d’água e fazem bastante sucesso.
Há uma cena em que Gary é preso injustamente e Alana corre atrás dele de forma apaixonada. Quando ele é solto, os dois se abraçam e ali temos um exemplo nítido do sentimento do filme. Paul Thomas Anderson captura um amor puro, delicado, honesto e pulsante.
Quando achamos que a coisa finalmente entrará nos eixos, Gary fica com outra garota, momento este que expõe totalmente a fragilidade de Alana.
Situado em Los Angeles, é óbvio que “Licorice Pizza” homenagearia Hollywood, ainda mais considerando os protagonistas, que se movem pelo poder e pelas oportunidades.
Ela faz testes para um filme e encanta o veterano Jack Holden, que a compara com Grace Kelly. Interpretado por Sean Penn, o personagem é o clássico ícone hollywoodiano, que adora ser bajulado, cita frases de seus filmes e bebe enlouquecidamente. Alana vê nele o grande sonho, a porta para Hollywood e mesmo com uma grande diferença etária, os dois conversam “intimamente”. As coisas fluem, até que surge Rex Blau, outro figurão, que toma conta da conversa e começa a expor a total desconexão de Alana com aquele ambiente. O roteiro também aponta para o culto das celebridades, quando Blau, no meio do restaurante, anuncia que Holden irá reproduzir uma cena icônica. Todos saem de suas mesas e vão até o tal lugar. Vale ressaltar que no mesmo espaço estava Gary, sua dor é nítida, o ciúme o corrói.
Alana sobe na traseira da moto de Holden, cai e ninguém percebe, apenas Gary, que vai resgatá-la. A reprodução é dirigida de forma irretocável, mas pensando no significado daquilo, é apenas deprimente. Celebridades que não tem muita noção do ridículo e acham que podem fazer qualquer coisa. O pior de tudo é que o público, como pequenas marionetes, aplaude.
Mas o foco aqui está na mão que Gary estende para Alana levantar, um gesto simples e que sintetiza o filme por completo. O que notamos é que quando estão juntos, eles agem com muita naturalidade e demonstram um carinho despreocupado; e quando partem atrás de oportunidades, inventam um novo personagem e perdem a magia, pois não estão no lugar correto.
Há uma outra cena em que os dois estão deitados lado a lado. Alana dorme e Gary ameaça tocar em seus seios, mas recolhe as mãos, pois entende que acima de qualquer anseio sexual, ela representava algo que nenhuma outra havia chegado perto.
Bradley Cooper faz uma ponta sensacional como Jon Peters, um maquiador completamente doido, que diz coisas aleatórias, ameaça Gary, namora Barbra Streisand e paquera qualquer ser que ande de saia.
Há um outro ponto aqui, que é a maturidade. Existe uma boa diferença de idade entre os protagonistas. Alana adora ressaltar isso, como uma desculpa para não namorá-lo, mas aos poucos notamos algumas diferenças de perspectiva. Gary quer expandir seu negócio com um salão de pinball, enquanto Alana se preocupa com a crise do petróleo e se voluntaria para ajudar na campanha de Joel Wachs, candidato à prefeitura.
Mais do que oportunidades, a protagonista almeja um relacionamento maduro e Wachs era um grande alvo.
Gary sabe o que sente, foca no novo projeto e tenta esquecê-la, mas não consegue. Seu jeito galanteador e conquistador era o ponto de partida, o que chamava atenção das meninas, até que ele adentrou um território mais denso e complexo. Alana era o amor, totalmente bagunçado e difícil, porém representava o ápice entre os sentimentos e Gary ainda estava tentando entendê-lo.
Na sua busca pela maturidade, Alana descobre que Wachs não é aquilo que pensava. Um corre em direção ao outro, as imagens entrelaçadas realçam a pureza do romance e eles acabam se encontrando. Finalmente acontece o grande beijo e a declaração de Alana, que percebe que não havia nada mais especial do que a relação entre eles. Não havia idade, nem político, nem estrela hollywoodiana capaz de superar aquilo.
A trilha sonora é absolutamente perfeita; as músicas foram escolhidas a dedo e elevam as cenas, além claro, de serem importantíssimas para a ambientação.
Paul Thomas Anderson continua sendo um mestre, o melhor diretor da atualidade. Sua câmera foca sempre nos detalhes primordiais e seu perfeccionismo com a iluminação é impressionante. O universo criado por ele é tão convidativo, tão irresistível, tão doce, e ao mesmo tempo crítico em relação ao poder das celebridades, que é impossível você não se apaixonar por “Licorice Pizza”. A fotografia é belíssima e fundamental para a criação da aura nostálgica do filme. A apresentação dos protagonistas é fascinante e o desenvolvimento é fenomenal. São personagens complexos, que desabrocham ao longo do filme, precisam de tempo e isso é o que eles mais tem. Paul Thomas reserva várias surpresas. A trama vai para lugares inesperados, os coadjuvantes são excelentes e o final coroa tudo que assistimos. Não poderia ser melhor.
Eu adorei o fato dos protagonistas não seguirem padrões estéticos, normalmente estabelecidos pela indústria. Ambos são facilmente relacionáveis.
Cooper Hoffman e Alana Haim estão de parabéns. Ele encontra um balanço perfeito entre a maturidade fora do comum e a imaturidade que um jovem de quinze anos deve apresentar, demonstrando seus sentimentos com expressões e gestos muito genuínos. Ela merecia o Oscar, fazia tempo que não me emocionava tanto com uma atuação. Alana sabe ser durona e falsa, a protagonista quer entrar no jogo e o grande diferencial aqui é a sua pureza ao estar com Gary. A diferença é notável, o que deve acontecer ali é óbvio, porém as ambições de Alana são justificáveis, dado o ambiente e a sua vida. Ela já havia sido desejada, mas nunca amada, é outra coisa, é outro jogo e sua felicidade é contagiante.
Um casal que faz jus ao título: não faz muito sentido, não combina, é esquisito ver junto, mas de alguma forma é inseparável.
“Licorice Pizza” não é somente o melhor filme do ano, talvez seja o melhor da carreira de Paul Thomas Anderson. Uma obra prima nostálgica, sútil, encantadora, divertida, inteligente e bela.
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