“Frantic” é mais uma prova de que Roman Polanski pode fazer muito com uma trama simples.
Richard e sua esposa, Sondra, viajam para Paris, onde ele participará de uma convenção de médicos. Pouco tempo depois de chegarem no hotel, ela desaparece, sem motivo ou pista aparente. Confuso e desesperado, o protagonista faz perguntas aos concierges, busca ajuda na delegacia e até na embaixada, no entanto, nenhuma resposta clara é obtida. Richard decide, então, fazer uma investigação particular, dando início a sua jornada pelo submundo parisiense, rodeado por traficantes de drogas.
Sondra acabou pegando a mala errada no aeroporto, o que leva o médico a Michelle, a jovem envolvida nessa troca de bagagens, responsável por uma importante entrega de algo que ela nem sabe o que é.
Resumindo: Richard tem a “encomenda” e os bandidos, Sondra. A negociação parece óbvia, entretanto, o quebra cabeça custa tempo a ser finalizado e outros interessados no produto fazem de tudo para complicar a vida do protagonista, que é obrigado a se aproximar de Michelle, que precisa ser protegida, além de ser a única capaz de guiá-lo.
O enredo é conhecido, contudo, não é exatamente ele que importa, mas os subtextos brilhantemente inseridos por Polanski.
É importante dizer que este foi o segundo trabalho realizado pelo diretor após o escândalo que feriu sua imagem e que resultou em sua “fuga” para a Europa. “Frantic” não é um filme sobre um médico que está atrás de sua esposa – bem, também é -, mas sobre o homem em um país estrangeiro. O americano não assiste nada com legenda, acredita que sua língua é suficiente para qualquer situação e considera a sua terra a melhor, mais próspera e justa. Richard, apesar de não ser apresentado como “o homem americano”, é um. Seus olhares perdidos e feição angustiada não surgem exatamente pelo sumiço de Sondra, mas pela dificuldade que tem de se expressar, de compreender a natureza e a cultura alheia – os franceses não são tão acolhedores e passam uma certa frieza, o que pode ser mal interpretado – e de circular por um lugar desconhecido, com uma arquitetura oposta a que estava acostumado.
Em determinada cena, um concierge lhe ajuda e, em troca, Richard saca automaticamente do bolso algumas notas de dinheiro, que são sarcasticamente rejeitadas. Um momento corriqueiro, porém importante, que provavelmente passa despercebido pela maioria das pessoas.
A aventura de Richard é complexa, muito bem direcionada pelo roteiro. Não o conhecemos, todavia, ele aparenta ser um sujeito com uma vida estável e segura. A ida a bares e a clubes noturnos e, principalmente, a parceria com Michelle não são apenas “meios” de se chegar ao desfecho. A presença marcante do vermelho em objetos e ambientes não denota meramente perigo. A cor tem esse significado, porém não se limita a ele, reforçando a ideia de adrenalina, algo que Richard havia se esquecido e que, de alguma forma, o leva para o passado e o obriga a aceitar prazeres primitivos. De qualquer forma, e aí entra a genialidade pelo uso do vermelho, o arco do protagonista não o transforma num homem irresponsável e imaturo. Pelo contrário, ratifica e intensifica a paixão que sente pela esposa. Michelle é imprevisível, carismática, sexy e expressiva. Há uma tensão sexual entre os dois, no entanto, pouco dura e importa, já que Richard não enxerga na moça uma amante, mas a personificação de Sondra, provavelmente quando a conheceu. Elas até possuem algumas semelhanças físicas, contudo, o símbolo definitivo para essa “ligação” são as roupas vermelhas que vestem, que ressaltam o amor genuíno do médico. A forma que Polanski utiliza a música “I’ve Seen That Face Before”, da cantora Grace Jones, para complementar sua alegoria é maravilhosa. Richard viu aquele rosto antes, em Sondra, e se deparava com uma miragem, um convite ao passado. Por outro lado, é o rosto de Michelle que o leva novamente ao caminho da felicidade, à sua querida e amada mulher.
A direção de arte aposta em tons frios para reforçar o julgamento do protagonista sobre os parisienses e a saudade, tanto de Sondra, quanto de casa. O verde também é bastante presente, essencial para a fomentação de uma atmosfera tensa e misteriosa.
A fotografia segue um padrão similar, apresentando uma Paris repleta de incertezas e mistérios, cinzenta e engolida pela névoa. Os tons mais escuros e o próprio verde, intensamente presente na boate, desmistificam a cidade charmosa a que estávamos habituados. Conhecemos as entranhas, o submundo sujo e degenerado.
A montagem, em filmes dessa natureza, sempre é um artifício imprescindível para a potencialização do suspense. “Frantic” é lotado de sequências de ação frenéticas – que falta de originalidade – e longas, que poderiam ser confusas, se não fossem inteligentemente organizadas, com cortes milimetricamente calculados para gerarem ansiedade no espectador.
Roman Polanski é um diretor que admira sutilezas. Ele sugere coisas e precisamos estar atentos para pescar suas dicas, antes que fiquemos para trás na trama. Enquanto toma banho, Richard não consegue escutar o que Sondra diz e Polanski foca na água que deixa o vidro embaçado – deixamos de enxergar as coisas com clareza, a perdemos de vista.
No primeiro momento em que o protagonista se depara com algo realmente brutal, Polanski opta por um plano longo e cadenciado, elevando o suspense, deixando a imagem do corpo ensanguentado ainda mais impressionante. A câmera na mão dá um aspecto realista às perseguições e ressalta o cansaço de Richard, que não aguenta mais correr.
Entre tantas cenas icônicas, a mais tensa, sem dúvida alguma, envolve uma dança, justamente pela posição dos personagens no quadro – Michelle e o protagonista cercados por contrabandistas – e pelo fato de se passar em um espaço apertado, dominado por cores e luzes que deixam o espectador em alerta.
Harrison Ford concilia perfeitamente a dor, a fadiga e a crescente angústia, com a adrenalina que lhe fornece um prazer silencioso, que acaba sendo também uma maneira de se redescobrir. Carismático, o ator ainda adiciona belas camadas de humor ao filme.
“Frantic” não é considerado um clássico de Roman Polanski, o que é uma pena.
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