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Robert, Pedro e “Kid”, recém chegados no Arizona, planejam roubar um banco. No caminho, o grupo se depara com um homem simpático, com o sobrenome de Sweet, cuidando de seu jardim, à espera de sua esposa. O clima descontraído se esvai quando Sweet veste o colete de xerife, deixando claro que, apesar de tudo, não é tão doce assim e que entrará no caminho do trio. Eles conseguem fugir e despistar os oficiais, que seguem seus rastros. A aridez e as adversidades climáticas, como, por exemplo, a ventania, são postas em tela de maneira tão palpável por John Ford, que, instantaneamente, fui tomado por uma sede avassaladora. O deserto, explorado pelo cineasta através de planos gerais que ressaltam seu caráter “infinito”, é o inferno na terra. O trio não pode se expor, afinal, está sendo perseguido, o que limita a possibilidade de encontrar água. Para piorar, seus cavalos desaparecem. À deriva e vulneráveis, eles esperam por algum tipo de sinal, algo que regenere suas esperanças e os ajude a sobreviver. 

Eis que, na vastidão arenosa, os bandidos encontram uma mulher que foi abandonada pelo marido e que está prestes a parir. Inicia-se, então, o processo de redenção dos personagens, escolhidos por Deus para cumprirem uma missão que faria Tom Cruise se coçar de inveja. “3 Godfathers” talvez não seja o trabalho mais elaborado de Ford em relação à concepção de quadros; no entanto, está entre os mais humanos, espirituosos e doces. Pedro, o estrangeiro do grupo, é quem ajuda com o parto. Muitas vezes discriminado por Robert, ele fica honrado e assume um papel fundamental, destacada por Ford a partir de um contra-plongée e de sua disposição no quadro – finalmente no centro. Antes de morrer, a mulher, em agonia, nomeia os três homens como padrinhos do bebê que carrega seus nomes. Ela os faz prometer que cuidarão de seu filho, que, agora, passa a integrar a família dos “foragidos”. 

O simples cenário de “gato e rato”, no qual os oficiais vão atrás dos bandidos é subvertido, permitindo que o espectador reavalie a situação e crie uma simpatia ainda maior pelo trio, que já chamava a atenção pelo espírito de equipe. Ford gostava de investigar o lado sensível de John Wayne; vê-lo cuidando de um recém-nascido, com direito a sorrisos espontâneos e tapinhas na bunda, é especial. “O que significa toilette?”, pergunta Robert, numa adorável demonstração de ingenuidade e de absoluta preocupação com o afilhado. A sequência mais encantadora do filme é, muito provavelmente, aquela em que os padrinhos, seguindo as instruções da receita de um doutor, passam graxa no corpo do bebê. Não há mais rastros criminosos ali, apenas a pureza de homens que enxergam a graciosidade da vida e a relevância do sinal divino. Sweet e sua trupe passam a ser os “vilões” (estou exagerando; o xerife é um sujeito bacana), principalmente por interpretarem mal os rastros deixados pelo trio. Em um rápido plano, Ford basicamente resume a odisseia de Robert, Pedro e “Kid”: em uma mão, a arma, na outra, um chocalho e, entre os dois objetos, o bebê. 

Inspirados pelo Livro Sagrado, o trio tenta chegar em Nova Jerusalém, acreditando ser os “Três Homens Sábios” carregando o pequeno Jesus. O tortuoso deserto é um teste de fé. “Kid”, ferido no roubo, pensa ter avistado água, sendo, na verdade, um rio de sal – a rápida panorâmica salienta o tamanho da agonia física. O filme ganha contornos cada vez mais católicos e redentores, dando ao seu protagonista a chance de se purificar. As sombras da fadiga estão por aí, acompanhando Robert, interpretado por um John Wayne no auge de sua entrega corporal. Considerando o contexto descrito acima, nada poderia ser mais simbólico do que o natal – enfim, o milagre. O desfecho, uma verdadeira celebração do significado de “comunidade”, é daqueles que deixam qualquer um com um sorriso no rosto.

“3 Godfathers” é, em essência, um filme generoso, belo e revigorante.

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